quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A pequena casa

Foto by Isabela


Noite de festa na pequena casa

Era uma vez uma casa.Ela tinha sido construída mais ou menos nos anos 900.Não podia nem imaginar quantos inquilinos já tivera ou por quantas reformas passara. A casa era pequenininha com uma porta e uma janelinha.As escadas levavam ao mezanino. O teto era tão baixo que em alguns pontos era impossível ficar de pé.Os mais altos eram proibidos de entrar.Ficava imaginando se era uma casa de boneca para as crianças brincarem,se era uma casa de anões ou se era um calabouço escuro onde ficavam os escravos e os pobres sofredores da guerra.Seria um esconderijo?Um lugar estratégico por onde teriam passado homens e suas armas?O passado daquela casa permitia milhares de possibilidades limitadas somente pela imaginação.Acertar o chute era difícil.Pois aquela casa, em certa época, foi habitada por mim.Um senhor muito elegante tinha passado em meu trabalho, oferecendo para jovens moças um apartametinho no centro histórico a um preço que eu podia pagar.Precisava sair logo da antiga casa onde morava e combinei com ele de passar à noite para vê-la.Nossos passos apressados ganhavam a rua escura à medida que o passeio se encurtava.Era uma ruazinha estreita,calma,tranquila que ficava logo atrás da avenida principal que acompanhava o rio da cidade.Chegamos e o senhor nos esperava,muito galante com um amigo mais ou menos da sua idade. Eles deviam ter seus sessenta e poucos anos.
Nos mostrou incialmente o belo apartamento com móveis de antiquário veneziano devidamente restaurados.A cama do quarto também era antiga com uma cabeceira redonda,muito clássica.Ofereceu-nos um drinque,mas nós não aceitamos.Encheu nossos olhos com aquele belo apartamento e seu mobiliário valioso.Mas o aluguel era muito caro,além das nossas possibilidades.Passamos então ao pequeno apartamentinho que ficava ao lado daquele verdadeiro palácio.Ele abriu a porta e a única coisa que vi foi uma escada,como aquelas que levam à casa da árvore dos filmes e desenhos animados que eu sempre sonhei em ter.Subimos e ele logo foi avisando. Garotas,cuidado com as cabeças.Uma penteadeira,quadrinhos com desenhos antigos da cidade pelas paredes,uma cama de solteiro com a cabeceira redonda e com uma flor pintada.Uma cômoda e uma TV.O banheiro não tinha porta e dentro dele,era mesmo impossível ficar em pé.Tomar banho,só sentada num banquinho.Eu tenho 1,60 e nem eu mesma conseguia ficar em pé.Mesmo assim,teve o cuidado de colocar espelho,armarinho e pintar alguns lírios na parede.Simpática,bonita,mas muito pequenina. Quanto queres por ela?Quatrocentos.Me disse.
Minha amiga não podia nem pensar em ficar com a casa,pois tinha o gato.Ali,era improvável viver mais que uma pessoa.No máximo uma pessoa e um pezinho de feijão plantado no copo de plástico com algodão. Voltei pra casa pensativa.Refleti por mais ou menos uma semana e resolvi fechar negócio. Em poucos dias, me sentia a própria Branca de Neve,esperando meus sete anões voltarem.Cozinhei pra eles e limpei a casa,estava tudo impecável.Mas eles nunca apareceram. E comecei a viver ali,assim mesmo,sozinha.A etiqueta e os bons costumes dizem que a mesa é o melhor lugar para se comer. No meu caso,coloquei um colchão de casal no chão(assim mesmo,sem box,sem nada)e naquele espaço também funcionava minha mesa.Uma noite,chamei uns amigos,pedimos umas pizzas e ficamos ali mesmo em cima da minha cama,comendo pizza e fazendo bagunça.Sem nenhuma vergonha,sem nenhum constrangimento,aquele era meu lar.
Era ali que eu chegava,depois de um dia cansativo,abria a pequena janela quando era verão,via meus programas de televisão,abria meu computador e falava com meus amigos.Triste? Jamais.Alguns me perguntam como podia morar na casa dos sete anões se ela existia só na história infantil.Outros a comparavam a uma caverna escura onde um gato miava toda noite.Pra mim,a escuridão me incomodava só quando eu permitia.Um verão magnífico,um inverno complicado e frio.Por quase um ano eu vivi naquela casa.Ali,onde o banheiro não tinha porta e a janela não tinha panorama,entendi que o viver vai muito mais além de limites físicos e arquitetônicos.Ali aprendi que viver,daquele momento em diante,dependeria só da minha capacidade de enxergar o mundo com os olhos cheios de otimismo e muita aceitação.

Um comentário:

Beto disse...

Adorei amooore a casiiinha!! Vamos visitar ela?!?!