domingo, 31 de agosto de 2008

Regalo a Marcela

Foto by Google (Tamara de Lempicka)


Atenta a todos
os movimentos
Roubei-te um momento
Singela e cúmplice
você me pediu silêncio
Vi brotar de teus lábios
Palavras que encontravam o vento
Dispersas no ar as
Segui com meu olhar
Belo tormento
Esse que nos consome
De você, a inquietude
o momento,o senso
De mim,a batida
que rompe,extrapola e
desordena o denso

sábado, 30 de agosto de 2008

Sigo calada

Foto by Google

Sei exatamente porque gosto de escrever e tenho uma dificuldade enorme em me expressar verbalmente.As pessoas não têm vontade de escutar.Todos querem só falar,falar,falar. Pouquíssimas vezes encontrei figuras justas que dividissem comigo o tempo da fala.Com elas me diverti imensamente e me senti inteiramente feliz.
Não falo porque a maioria das pessoas não deixa.Me acostumei com isso e me tornei calada.Prefiro escrever,pois ninguém tem obrigação de ler.
As pessoas não se dão conta disso e eu nunca consegui entender.Não é educado,gentil e humano falar e não ouvir.Existe uma legião de mal educados e ela possui muitos,muitos membros. Não sou tímida,mas prefiro observar e não me manifestar pois teria que enfrentar uma fila que é muito,muito maior que eu. Sigo calada.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A menina tímida

Foto by Google

Ela era muito tímida e grudada com a mãe.Nunca tive notícias do pai,não sei se eram separados,se ele tinha morrido ou se nunca se fez vivo. Enquanto nós,lá pela terceira série pegávamos nossa mochila e saíamos sozinhos da escola direto pra casa(naquele tempo não existia a neurose que tem hoje em dia)ela ainda esperava a mãe na porta.Envergonhada,retraída,muito magrinha,branquela e com cabelos muito ralos.Nunca mais a vi.
Outro dia vi a mãe.A reconheci súbito,era a mesma senhora.O tempo não passou pra ela.Fiquei imaginando que fim fez a filha.Geralmente, os tímidos retraídos conquistam cadeiras de gênios.Passam no vestibular de Engenharia,Medicina,fazem pós,mestrado,doutorado,conhecem e dominam as línguas, mas são incapazes de saírem de seu próprio mundo.Meu professor costumava a dizer que eu passaria no vestibular para Economia Doméstica. Que estúpido.
Passei no vestibular de Comunicação em uma ótima universidade.Era concorrido sim.Ainda me lembro na prova de ver chegando uma menina que não parecia tão tímida quanto à colega da infância.Essa menina acabou virando uma de minhas melhores amigas dentro da faculdade.Ela não era nem um pouco tímida.Suas conquistas têm sido grandes. As minhas para mim também. Nenhuma grande empresa,nenhum mestrado ilustre,nenhum salário grandioso.Nem sempre prazeres. Mas a tranqüilidade da consciência.
Penso muito na vida que passa,no vento que sopra,nas malas vazias,nas voltas cheias de histórias.Prazer não é pra sempre.Dor não é pra sempre.Sentir é pra sempre. Se perdemos a capacidade de sentir,não temos mais o porque de ser.O medo de não conseguir sentir mais nada é a pior coisa que possa existir.Estamos perdidos,numa estrada sem rumo e com um grande tesouro nas mãos,a vida.Se ser livre é ser medíocre,que felicidade é a mediocridade.
Volto à menina tímida e peço desculpas por tudo o que disse.Maria,espero que você tenha vencido seus medos.é isso que tento fazer todo dia.Sim,é dificil demais,eu sei,mas que bom ter consciência. Será que voce é uma doutora,uma engenheira?Se for médica,cuida bem do coração dos homens. Se for engenheira,procure desenvolver projetos contra a escassez de consciência destes mesmos homens. Se por acaso,mudou de idéia e resolveu fazer Letras,História ou Comunicação,ajude então,minha amiga a acordá-los. Conto com você.

Produto Legal


Quando vi este capacete fiquei com vontade de comprar uma moto.
Entrei no site e quis comprar TUDO!!!
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quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Morrer de Amor

Foto by Folha de São Paulo

É possível, mesmo inconscientemente, morrer de amor?
Com muita coisa para fazer,mas pouca concentração para tudo isso,estava aqui rondando e com surpresa li a notícia de que a cantora Stella Maris,viúva de Dorival Caymmi morreu esta tarde, no Rio de Janeiro,11 dias após o marido.
Caymmi adoeçou após saber que a mulher tinha entrado em coma,meses atrás.Não queria nem comer direito. Ele morreu por ela e ela,agora,parece ter morrido por ele.
Fiquei imaginando a bela cena em que ele,afoito por tirar do peito a dor da separação,entrou em um túnel e encontrou a liberdade. Fiquei imaginando ela,na cama do hospital,em coma,tomando, de alguma forma,consciência de que ele havia partido e que em pouco tempo estariam juntos mais uma vez.
Do mesmo modo com que durante toda sua vida ele preparou para a mulher,canções e poemas de amor,ele teria de preparar um ninho para quando ela chegasse,linda,vestida de branco pudessem morar. No paraíso, o cantinho deles teria uma palmeira,areia de praia,pés no chão,um violãozinho,água de coco e muitas frutas tropicais.A Carmem Miranda fazendo visitas e outros colegas da Bahia a fazer muita festa.
Morrer de amor assim passaria das canções dos poetas e ganharia contornos reais.Aquele amor de vida inteira alcançaria a eternidade e remaria prum mar infinito, desafiando a própria poesia.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

A Pequena Vendedora de Fósforos

Foto by Google

Hoje,sentada em um café na Savassi,vi um homem que vendia flautas de bambu.Eram bonitas,artesanais e em cada uma delas havia um desenho diferente.O homem passou por mim e me ofereceu uma flautinha.Faminta,nem lhe dei muita atenção.Continuou andando,oferecendo suas flautas.Tinha um corpo pequeno,cara de que vinha do interior.
Lembrei-me da Pequena Vendedora de Fósforos e de como o livrinho da biblioteca da escola me fazia chorar cada vez que eu o lia.Me recordo nitidamente de sua capa,uma menininha com roupas modestas e o vento que batia forte na noite gelada de inverno no hemisfério norte.Me lembro exatamente da prateleira em que ele ficava e as lágrimas que eu tentava esconder do bibliotecário José Irineu quando sentada num cantinho,folheava o livro de Hans Christian Anderson.
Com a mesma nostalgia, me veio em mente os natais solitários passados na Europa.A bela vitrine de Natal da loja que eu trabalhava tinha uma mesa farta de doces falsos,móveis e candelabros italianos de um chique antiquário.Na rua,as pessoas passavam agasalhadas,pais que procuravam presentes para as filhas,mulheres que procuravam presentes pros maridos,jovens que gastavam parte do que economizaram para agradar namorados.Alguns se enchiam de coragem e entravam somente para perguntar:Mas os doces da vitrine são de verdade?Por volta das 16h30 o sol ou o cinza do céu iam embora e a noite chegava mais cedo.Eu pegava um isqueiro e acendia vela por vela,às vezes fazendo um pedido solitário e silencioso em cada uma delas.
Na véspera de Natal trabalhávamos muito e me lembro perfeitamente de falar com minha colega russa,que também estava longe de casa e passaria a data sozinha,da história da Pequena Vendedora de Fósforos.Ela também se lembrava da fábula e assim como eu, se sentia,naquele momento,um pouco "Pequena Vendedora".E em meio às pessoas que vinham fazer as últimas compras pra colocar debaixo das belas árvores de suas casas plenas de calor humano,nos abraçamos e choramos.Buon Natale.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Ônibus da Felicidade

Foto tirada do site Expresso Bus


Tem gente que não gosta de andar de ônibus e tem gente que TEM que andar de ônibus.Supelotação,trânsito que não flui,gente reclamando,menino pendurado na porta ou pegando traseirão.Enfim,são tantos os motivos para odiar andar de ônibus.
Mas imagine só um ônibus onde o motorista e o cobrador te dão boa noite,conhecem a maioria dos passegeiros pelo nome, dão dicas sobre linhas e ruas da cidade,esperam os velhinhos se acomodarem antes de arrancar.Pois é,este onibus existe,faz parte da linha 2103 Prado/Anchieta e quando guiado por César e com a cobradora Socorro é tudo isso e muito mais.
Hoje, passei uma hora e vinte dentro de um ônibus cheio em meio a um trânsito caótico.O motorista não me cumprimentou,trocador idem.Tentei puxar papo com a moça sentada do meu lado.Até que ela retribuiu mas logo desceu.Sorte dela.Ou azar, já que ela ia pegar outro coletivo.
Pois cheguei para o meu compromisso esbaforida,depois de subir um morro correndo preservando a pontualidade,coisa que respeito muito.Pois que chego no meu compromisso e levo um bolo sem explicação.Com a boa vontade de uma boa alma,peguei uma carona até o ponto de ônibus mais próximo,esperei uns dez minutos,mantendo a calma e procurando não ficar chateada com o ocorrido.Entrei e fui recebida com um caloroso boa noite do motorista seguido do mesmo gesto da cobradora que lhe lançava um maço de notas no maior estilo: pega ae,parceiro.
Separei as moedas,entreguei e me sentei.No "Jornal do Ônibus",a frase da seção "Gentileza Urbana é..."era: Ser educado com o motorista e o agente de bordo.
A primeira a entrar depois de mim era uma garota bem arrumada que perguntou como fazia para chegar até a Savassi.Nunca vi um cobrador dar uma resposta com tal educação.Após a garota,entrou um senhor de idade que ficou na parte da frente conversando com o motorista sobre a vitória da Portuguesa sobre o Cruzeiro.Passando em frente à Academia de Policia,duas meninas subiram e pareciam já íntimas da trocadora Socorro. Um Cabo da PM entrou contando pra Socorro que estava com a cabeça que lhe saía fumaça.Acabara de fazer uma prova de matemática e na hora H, a calculadora tinha dado pau. A Socorro contou que só faz cálculo no lápis,que quando tinha feito o concurso pra ser cobradora que tinha até universitario competindo com ela.E ela não confiou na calculadora."Quem confiou se deu mal...e olha que tinham uns problemas difíceis,hein",disse ela ao cabo.
Ele desceu na Praça Sete e o motorista explicou como pegar condução pra Antônio Carlos.A Socorro logo deu notícia,dizendo que ele não conhecia a cidade,que estava aqui só pro curso de sargento.No mesmo ponto, entrou outra amiga da Socorro que continuava seu papo animado.Enquanto isso,o motorista falava com a senhora que entrou fazendo piada que tinha feito exame no oculista e não enxergava nada.
Boa noite,tudo bem? Boa,noite,senhora,vai com Deus...Por nada!Até amanhã.Bom descanso. Eu estava realmente impressionada,essas frases geralmente nao se escutam com tanta freqüência dentro de um ônibus.
A viagem tornou-se realmente agradável,a fome e a vontade de fazer pipi já nem incomodavam mais.A idéia de pegar um taxi assim que saltasse na Savassi saiu da cabeça. Posso parar no shopping pra ir ao banheiro e caminhar até minha casa,tá um ventinho bom...Antes de mim, desceu um senhor com quem a Socorro conversava.Me levantei,perguntei se meu ponto era antes ou depois da Getúlio Vargas.Socorro me explicou e já quis fazer amizade.Me contou que o senhor que tinha descido era professor de Dança de Salão la na Tomé de Souza.Antes de descer, não deixei,porém, de perguntar o nome dos dois. César e Socorro.César,seu sorriso leva a gente ao sétimo céu.Socorro,sua simpatia nos impede de cogitar qualquer pedido por socorro.Saltei do ônibus com um grande sorriso e pensando como os pequenos gestos poderiam de fato mudar o mundo. As pessoas que diariamente pegam aquela linha são felizes,pois tudo que a gente precisa depois de um dia cheio de tabalho e preocupações talvez seja um sorriso,que sinceramente amolece qualquer alma perturbada. A gentileza,a simpatia,a alegria e a educação vindas destes dois trabalhadores que certamente também possuem lá seus problemas,conseguiram transformar meu dia.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Batalha de dois Mundos

Fotos by Isabela


Este cidadão é Evando Soares de Souza,que gosta de ser chamado de Cabeça Mofada.O conheci na última sexta-feira que se transformou em uma noite incomum diante da inusitada programação, que começou com vinho na Praça da Liberdade e terminou com a batalha de MC's, debaixo do Viaduto Santa Tereza.
A idéia era reviver um pouco o clima europeu de curtir a cidade com uma garrafa de vinho na mão,andar a pé por aí e não se preocupar com os perigos noturnos do terceiro mundo.
Quando chegamos na tal batalha dos MC's,os "manos" já estavam desmontando tudo,a guerra já tinha acabado.Na platéia,adolescentes,meninos com cabelos trançados,dreads,calça "cagada",blusão esportivo,boné,camisetas descoladas,moletons.Muita paquera rolando,um carro estragado pegando no tranco com a ajuda de alguns garotos e lá estava ele, se integrando com a galera,o Cabeça Mofada.
Opa,aqui é meu apartamento...cês tão sujando tudo ae,pode parar,deixa a minha casa limpa...Ó,vô chamá a empregada pra limpá,hein...Dolooooores,Doloooores,vem cá,minha filha,dá uma limpada aqui...e dá-lhe risada. Agachou e de uma fresta, entre um degrau e outro, tirou uma vasilha suja daquelas de margarina velha e falou: Ó,aqui é a cozinha,olha o que que sobrou do almoço de hoje. E ria.
Eu observava tudo me revirando em risadas.Tudo estava acontecendo ao meu lado.
Pois foi ficando tarde,a galera começou a pegar seu rumo.Os meninos que riam do Cabeça Mofada o deixaram em paz,ou melhor,o deixaram nas minhas mãos.
Começamos a conversar e ele me contou que vinha de Teresina,era piauiense e há muitos anos morava em BH.Fez questão de dizer e repetir incessantemente o nome da rua e o número da casa que possuía no bairro Barreiro,onde hoje mora a esposa e seus três filhos,um deles capitão da PM.
Cabeça Mofada me contou que estava agitado...inevitavelmente tinha bebido.Pra ele,o dia tinha sido muito difícil.Me dizia que a noite anterior tinha dormido ali mesmo e ao acordar,quando dava dois passos para se espreguiçar, deu de cara com Fátima,sua mulher que não via há três meses. Logo ali,onde tá aquele carro,tá vendo??Ela vem sempre pra esses lados porque trata o mal de Chagas num hospital aqui perto,você conhece?
Pois naquele dia,os dois se reencontraram.Ela,tímida,o cumprimentou.Ele,assustado,pego de surpresa e envergonhado,humilhado e naquele estado,respondeu com cortesia: Tudo jóia,e você? Cada um foi para um lado,ela sumiu rapidamete e ele ficou sem saber que rumo tomar.
Eu gosto muito dela,mas num dá,ela é muito ignorante,ela é evangélica e me mandou embora porque eu bebia. Se eu ia na padaria,ela não acreditava,me xingava e dizia que eu tava indo beber. Hoje eu moro num quartinho lá no Carlos Prates e trabalho de pedreiro,um monte de gente me chama pra trabalhar.Esses dias mesmo eu tô trabalhando numa obra grande lá no Alphaville,lugar chique. Eu rodo o país trabalhando.Já trabalhei de pedreiro até no Rio de Janeiro,minha filha.Sô muito bom de serviço.
Sabe,moça,eu tenho três filhos,o Marconi é o mais velho,ele é capitão da polícia,diz que agora ele tá lá na Amazônia, me falaram que ele foi pra guerra e vai morrer por lá. A gente nunca mais se falou. Meus outros dois filho trabalham de garçom lá na Companhia do Boi,cê conhece?Fica lá na Savassi.Um acho que fica no caixa.Pode lá e perguntar deles.
Notei que ao falar dos filhos,ele já não era mais o Cabeça Mofada,ele queria ser o Evando,cidadão brasileiro,pai de família,pobre,abandonado,entregue à própria sorte. O que lhe restava de dignidade ele queria defender com unhas e dentes,por isso,falava e repetia que os filhos estavam bem empregados e que tinha um que até capitão era. Ele tá na Amazônia agora,minha filha,lá na guerra,repetia mais uma vez. Foi neste momento que ele não agüentou e se derrubou em lágrimas.O homem que momentos antes me divertia fazendo piada com sua própria desgraça, de repente me fez sentir um nó na garganta, agravado com a secura destes tempos.Em BH não chove mais. Sorte dos mendigos da cidade que nao têm que se preocupar em dividir marquises,pontes e viadutos.
Ele dizia que tinha uma casa,mas mesmo assim me falu que escondia seu cobertor numa moita logo ali,no Parque Municipal.
O momento mais cruel foi quando em lágrimas,me contou o episódio do dia em que o filho PM passou de camburão na rua Tamóios e ele dormia no ponto de ônibus. Repentinamente, ele acordou com seu próprio filho,com a farda da PM ordenando que ele saísse dali,senão seria obrigado a levá-lo para a viatura.
Marconi,meu filho,é você...Faz isso com seu pai não,sou eu.As lágrimas caíam e ele,em um esforço inútil, tentava segurá-las com as mãos,como se o gesto fizesse apagar tamanha humilhação.
O comportamento oscilava com picos de humor,quando falava que era o Cabeça Mofada,e outros de depressão,quando chorava e repetia sem parar que era uma vergonha muito grande pros filhos.
Nunca estive tão perto da miséria e da degradação humana quanto desta vez.E nunca me senti tão confusa e impotente,economizando palavras,procurando dentro de mim gestos ou qualquer coisa que fosse lhe trazer um pouco de conforto.Mas não adiantava,não sabia o que fazer.No meio da conversa, eis que aparece um muleque inteligente,rimador,o poeta do viaduto,que tinha seus 20 anos e um grande talento em sincronizar palavras em ritmos.O menino repetia harmonicamente frases soltas e as amarrava com seus versos. Por um momento,Cabeça Mofada se distraiu,riu mais um pouco e me contou que a jaqueta que usava (e que eu já tinha percebido a etiqueta de uma loja americana)tinha sido presente de uma garota americana que tinha ido assistir à batalha dos Mc's.
Ficou muito tarde e um mendigo se aproximou de nós.Este,em um estado piedoso,me parecia recém-saido de um trem fantasma.Devia estar na casa dos 40,mas mancava,não dizia coisa com coisa e tinha aquele olhar que só os loucos internados em hospícios têm.Aquela coisa que passeia entre o monstruoso,o inofensivo e o medonho.Tudo isso em uma só expressão. O garoto poeta já tinha perdido o ônibus e não sabia absolutamente como faria para voltar pra casa,em Contagem.
Confesso estava hipnotizada pela conversa com aquele senhor e não percebi que a praça tinha se esvaziado e que era hora de dormir,aquele território tinha dono e nós,como meros visitantes,tínhamos que sair da casa e deixar que eles descansassem. Peguei na mão do senhor Evando e a única coisa que pude dizer foi que ele não se preocupasse,que ele tinha três filhos estudados,que um era capitão e não iria morrer na Amazônia e que ele devia sentir muito orgulho por tudo isso.
A mão dele estava molhada...Segundos antes,ele a tinha levado ao rosto para secar as lágrimas.E, enquanto caminhávamos em direção à Rua da Bahia,na busca de um taxi que nos levasse em casa,Evando Cabeça Mofada,num momento de fusão entre personagem e homem,gritava a alta voz. Rua Perimetral,número tal,lá no Barreiro,pode ir lá,é minha casa...Esta noite porém, não.