segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Encarando a platéia

Foto by Google


As cortinas se abriram e ela se deparou com um teatro cheio.Nas primeiras filas, os coleguinhas e as professoras.No resto das cadeiras, as mães,pais,avós,avôs.E ela sozinha,no meio do palco de um negro infinito,de sainha plissada azul,meia calça branca,blusa com o símbolo da escola e cabelo bem arrumado com uma franjinha rala.
Tinha lido e relido o discurso,treinado com a mãe,com o pai e com a irmã.Fora escolhida para ser oradora pois tinha aprendido a ler antes das outras crianças.Ela tinha só seis anos e a responsabilidade de ler frases que mal podia entender,por mais simples que fossem.Aquela era uma passagem importante.Não era mais hora para tantas brincadeiras,a primeira série a esperava e dali em diante teria de ler muitos livros,escrever no caderno de caligrafia com letras bonitas e aprender a fazer as contas de somar e diminuir e os problemas de matemática sem errar.
Pois ela levou o discurso à sério.Pegou as folhas datilografadas e colocou-as em uma pasta.Quando foi chamada abriu a pasta,pegou o microfone e iniciou com todo o protocolo começando do nome da diretora até chegar à última professora.Ela tinha acabado de aprender a ler e seguia em uma cadência que impressionava os adultos.A mãe e o pai orgulhosos,vibravam na platéia mas ela,nervosa,não conseguia ver ninguém na sua frente,apenas letrinhas que começavam a se embaralhar ao passo que o discurso se tornava longo,longo e parecia não ter fim.De repente, silêncio. Seus olhinhos não estavam ainda acostumados a seguir linhas,parágrafos,correr letras que juntas se transformavam em palavras. Com o microfone na mão e as folhas perdidas na pasta, ela procurou com olhos de socorro a professora.A expressão de terror se acalmou quando a tia(que era a mais bonita da escola)chegou para ajudá-la.Reencontrou o parágrafo perdido em meio a letras apagadas de um mimeógrafo velho.Continuou seu discurso com respiração ofegante e com o coração que lhe batia forte.Foi agraciada com uma salva de palmas.Pequena,mal dava conta de segurar o buquê de flores que entregou à professora como homenagem. Sorriu e voltou ao seu lugar.Seu desenho não tinha sido escolhido para ilustrar o convite da formatura, mas sua voz tinha ecoado por um teatro cheio em um palco onde a única a existir era ela.

domingo, 21 de setembro de 2008

De olhos fechados

Foto by Google


Mesmo com toda aquela bela paisagem de pinheiros e um verde que a cada colina mudava de tonalidade,preferi fechar os olhos e fingir que estava dormindo.A viagem não duraria mais que três horas,a estrada era muito boa e apesar do carro pequeno,eu ia confortavelmente sozinha no banco de trás.Na conversa das duas,amigas de longa data,detalhes da vida privada que eu por alto tinha conhecimento.Faltava escutar de suas próprias bocas.A mais jovem falava sobre o processo que estava na justiça contra o ex-marido.Casualmente, ela havia descoberto que dividia o teto e os lençóis com uma mente perversa que abusava de negras miseráveis em suas missões militares pela África e tinha tendências pedófilas e incestuosas que enojavam qualquer um, mas principalmente a filha que logo depois, passou a entender a insistência do pai em entrar no banheiro para pegar alguma coisa enquanto ela tomava banho.Preferi continar de olhos fechados para não constranger ainda mais aquela simpática senhora que havia perdido tanto da sua formosura e beleza depois que o mundo desabou e ela ficou sem chão.
Era sofrido pra mim vivenciar cenas imaginárias na minha mente de um homem capaz de sentir prazer ao cometer monstruosidades bizarras.
Não sei se ignoravam minha presença, se simplesmente acreditavam nos meus olhos fechados ou se para elas, não importava mais esconder-se de suas angústias e tragédias pessoais. Eu já sabia que a outra tinha perdido o filho na idade de 20 anos e que a coisa marcou muito sua vida causando uma grande revolução em sua casa e família.Talvez por medo,por educação ou por pudor,nunca quis dar um passo além para entender a verdade.Talvez eu tivesse medo de encará-la. Foi quando ouvi a frase que me fez gelar a alma."Talvez aquele vôo da janela da sala poderia ter sido evitado".
Sim,era verdade.A tirar sua vida tinha sido ele próprio.Aquela tragédia para a qual eu teimava em fechar os olhos se abria pra mim naquele momento em que obrigatoriamente eu tinha de mantê-los fechados. As grandes janelas que eu tinha imenso prazer em abrir para sentir a brisa,tinham sido testemunhas de uma cena chocante com desdobramentos capazes de ferir o fundo da alma.Meu coração batia muito forte.Tive uma vontade imensa de chorar,de abraçá-la e de dizer que eu estava ali.Não podia.Não tinha coragem.Mantive os olhos fechados até o momento em que o carro parou em frente a um supermercado do subúrbio.Desci e as ajudei com as compras.O que mais eu poderia fazer?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Parada

Foto site The Independent


Marco Pontecorvo e Miloud Oukili em Veneza

Este palhaço aí em cima é Miloud Oukili. Ele nasceu em Paris de mãe francesa e pai algeriano.Miloud se formou em artes circenses e, em 1992,aos vinte e poucos anos, voou para a Romênia para trabalhar para uma organização internacional como animador de orfanatos e hospitais.Chegando em Bucarest,Miloud conheceu os "boskettari", as milhares de crianças vítimas da situação caótica que o país viveu logo após o fim a ditadura do líder comunista Ceausescu. Estes meninos viviam no submundo das ruas de Bucarest,abandonados por famílias desesperadas,dormindo em meio à imundície e sobrevivendo de furtos e prostituição. Milouk encontrou os meninos nos canais subterrâneos da cidade onde se escondiam do frio e da chuva.O primeiro contato veio através da curiosidade das crianças que adoravam mexer em sua bolsa e ver seus apetrechos de palhaço.Aos poucos,Miloud foi ganhando sua confiança,fazendo seus espetáculos e aflorando neles sentimentos adormecidos pelo sofrimento e miséria.Miloud começou a ensinar-lhes a arte do circo e depois de algum tempo conseguiu formar com estes meninos uma companhia circense. A maior prova de que era possível recuperar seus sonhos veio com a apresentação da trupe na maior praça de Bucarest,que simbolizou a conquista da confiança e dignidade das crianças.Milouk fundou então a Parada,um centro que acolhe meninos em situação de risco de toda Romênia. Lá,eles realizam atividades de artes,laboratórios de teatro,circo e acrobacia,além de receberem asssitência psicológica e orientação profissional.
A história de Milouk e seus meninos de Bucarest é contada pelo filme Parada,do diretor italiano Marco Pontecorvo que foi aplaudido por 12 minutos consecutivos no último Festival de Veneza. Não poderia vir num melhor momento um filme que trata com sensibilidade a questão das crianças romenas ao mesmo tempo em que o governante do país resolve realizar um censo da população cigana na Itália.
Para Milouk,ainda há muito o que fazer. "As milhares de crianças que foram salvas não podem ser comparadas às outras milhares que ainda estão nas ruas e não conhecem o que é alegria e esperança",disse em Veneza.
Para Pontecorvo,não é necessário ir à Bucarest."Basta ir ao subúrbio de Paris,ou qualquer outra grande metrópole para encontrar crianças cuja infância lhes foi negada",disse.

Sonhando

Foto by Google


Esta madrugada, enquanto ouvia o barulho dos trovões e a chuva caindo,me levantei e pulei da cama em direção à janela.A persiana me pedia esforço pra olhar lá fora a água que escorria no asfalto e nas pedras.O vento batia forte e a imagem do chão molhado me lembrava a textura da pele de uma baleia.No meu sonho, eu descia correndo as escadas de camisola branca de algodão.Me ajoelhava no passeio e passava a mão no asfalto molhado,só pra sentir como seria tocar as costas de uma baleia e escoregar minhas mãos na sua pele.O mundo pararia naquele momento e nem o senhor da guarita da esquina poderia deter meus minutos de loucura.Subiria as escadas completamente banhada,deixando os rastros para quem quisesse depois escorregar,deitaria na minha cama e dormiria...feliz!

domingo, 14 de setembro de 2008

Coração Mole

Foto by Google


Eu era bem pequena mas ainda me lembro que enquanto eu jogava pedrinhas naquele rio em que morria de medo de cair,lá pelas 5 da tarde, de ver aqueles homens que passavam em direção ao botequim da minha tia.Com as botas cheias de barro,camisas rasgadas e cigarro de palha na boca, eles pediam a cachaça(ou quando podiam,a cerveja) e começavam a jogar sinuca na grande e velha mesa.Não entendia suas conversas,seus trejeitos mas certamente a estranha ali era eu.A menininha de roupa combinando e lacinho na cabeça,limpinha e com as janelinhas na boca.Mas me ignoravam.
E eu gostava de ficar atrás do balcão e de me esconder no depósito onde tinha maria mole colorida em forma de sorvete com uma surpresinha de plástico pendurada,chiclete com figurinha e caixas e mais caixas de doces.Não podia pegar nada por recomendação da minha mãe.Mas a tia sempre deixava levar alguma coisinha.
No botequim tinha uma televisão bem grande daquelas de tela verde,bem no alto da prateleira.À noite,quando fechava, a gente sentava em cima do balcão e ficava assistindo o Chico Anisio vestido de vampiro.Com as luzes apagadas,é claro.
Eu me lembro também que a gente tomava banho de bacia e era muito divertido.Enchíamos a bacia de aço de água quente e tomávamos um banho bem rapidinho,molhando todo o chão do banheiro. Na cozinha tinha um fogão de lenha e na casa ao lado, o pé de maracujá do seu Otávio fazia sucesso. Descendo as escadas,disputando lugar com as galinhas e frangos,chegávamos à garagem do fusca vermelho e ao paiol cheio de espiga de milho que a gente debulhava pras galinhas.
O rio era território meio que proibido,mas sempre ficava alguém pescando por lá e a gente ia dar uma olhada.A minha tia era o máximo da alegria e da bondade.Tinha um coração que de tao grande não cabia no peito. Quando ela subia o morro pra tocar o gado ofegava e cansava fácil,mas não deixava de me mostrar no caminho, a plantinha que fechava as folhinhas quando a gente a tocava.
Até que um dia,o coração dela parou pra nunca mais bater.Não me lembro de velório,de enterro,de cemitério.Me lembro dela,me lembro do botequim e de uma foto que não sei onde colocaram.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A vida é um doce

Foto by Google


Era a primeira vez que ela era convidada para uma festinha de aniversário na cidade.A filha do caseiro tinha umas cinco irmãs, gostaria de levar todas elas,mas não podia.Prometeu que se conseguisse,traria alguns balões para brincarem depois,todos juntos. A mãe caprichou na roupa e nas recomendações.Pediu que fosse educada, se comportasse bem para poder voltar nas próximas vezes.O moço passou para pegá-la. Beijou a mãe e entrou no carro.No caminho, a estrada que ela gostava de ver com os caminhões, carros e o posto policial.Calada,tímida, ela observava tudo e meio sem jeito,respondia às perguntas do moço.
Chegou no salão de festas,desceu as escadas e embasbacada viu palhaços para todos os lados, nas paredes,nas mesas,no bolo. Algumas crianças já tinham chegado e ela se juntou às coleguinhas que já conhecia e que passavam o fim de semana no sítio de vez em quando. Brincou,pulou e entrou na fila da pipoca. Comeu salgadinho,algodão doce, pintou a cara com uma lua e uma estrela. Na hora do parabéns, vi seus olhinhos brilhando enquanto batia palmas. Ela devia ter uns sete anos e sabe-se lá se na casa dela alguém já tinha lhe cantado um parabéns. Com tanta criança,não sei se a mãe teria um modo de fazer um bolinho pra cada uma delas.Eu me sentei e ela ficou em pé,sozinha,bem atrás de mim. Perguntei se ela tinha comido alguns doces e bolo.Com a mão cheia de balas e surpresinhas, me olhou curiosa,sorriu e respondeu que sim. Aquela tinha sido a tarde mais doce de sua vida.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Casa Verde

Imagem by Google



La casa giardino brasiliana ou A Casa Jardim Brasileira. Este é o título de uma matéria do Corriere della Sera de hoje.O texto apresenta o Harmonia 57, um edifício projetado pelo escritório de arquitetura franco-brasileiro Triptyque que fica na Vila Madalena,em São Paulo.
A "casa verde" é um organismo vivo. Suas paredes são completamente cobertas de plantas que funcionam como uma pele do edifício. Nas paredes externas do Harmonia 57 passam os tubos de irrigação onde a água da chuva é drenada, tratada e reutilizada.O complexo está disposto de modo que remete ao sistema venoso e arterial do corpo humano. Segundo a repórter do Corriere, além de ser funcional e ambientalmente sustentável,a construção é muito bonita e harmoniosa. O Harmonia 57 figura entre os projetos "green house" e será apresentado na Bienal de Arquitetura, em Veneza,nesta semana.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A pequena casa

Foto by Isabela


Noite de festa na pequena casa

Era uma vez uma casa.Ela tinha sido construída mais ou menos nos anos 900.Não podia nem imaginar quantos inquilinos já tivera ou por quantas reformas passara. A casa era pequenininha com uma porta e uma janelinha.As escadas levavam ao mezanino. O teto era tão baixo que em alguns pontos era impossível ficar de pé.Os mais altos eram proibidos de entrar.Ficava imaginando se era uma casa de boneca para as crianças brincarem,se era uma casa de anões ou se era um calabouço escuro onde ficavam os escravos e os pobres sofredores da guerra.Seria um esconderijo?Um lugar estratégico por onde teriam passado homens e suas armas?O passado daquela casa permitia milhares de possibilidades limitadas somente pela imaginação.Acertar o chute era difícil.Pois aquela casa, em certa época, foi habitada por mim.Um senhor muito elegante tinha passado em meu trabalho, oferecendo para jovens moças um apartametinho no centro histórico a um preço que eu podia pagar.Precisava sair logo da antiga casa onde morava e combinei com ele de passar à noite para vê-la.Nossos passos apressados ganhavam a rua escura à medida que o passeio se encurtava.Era uma ruazinha estreita,calma,tranquila que ficava logo atrás da avenida principal que acompanhava o rio da cidade.Chegamos e o senhor nos esperava,muito galante com um amigo mais ou menos da sua idade. Eles deviam ter seus sessenta e poucos anos.
Nos mostrou incialmente o belo apartamento com móveis de antiquário veneziano devidamente restaurados.A cama do quarto também era antiga com uma cabeceira redonda,muito clássica.Ofereceu-nos um drinque,mas nós não aceitamos.Encheu nossos olhos com aquele belo apartamento e seu mobiliário valioso.Mas o aluguel era muito caro,além das nossas possibilidades.Passamos então ao pequeno apartamentinho que ficava ao lado daquele verdadeiro palácio.Ele abriu a porta e a única coisa que vi foi uma escada,como aquelas que levam à casa da árvore dos filmes e desenhos animados que eu sempre sonhei em ter.Subimos e ele logo foi avisando. Garotas,cuidado com as cabeças.Uma penteadeira,quadrinhos com desenhos antigos da cidade pelas paredes,uma cama de solteiro com a cabeceira redonda e com uma flor pintada.Uma cômoda e uma TV.O banheiro não tinha porta e dentro dele,era mesmo impossível ficar em pé.Tomar banho,só sentada num banquinho.Eu tenho 1,60 e nem eu mesma conseguia ficar em pé.Mesmo assim,teve o cuidado de colocar espelho,armarinho e pintar alguns lírios na parede.Simpática,bonita,mas muito pequenina. Quanto queres por ela?Quatrocentos.Me disse.
Minha amiga não podia nem pensar em ficar com a casa,pois tinha o gato.Ali,era improvável viver mais que uma pessoa.No máximo uma pessoa e um pezinho de feijão plantado no copo de plástico com algodão. Voltei pra casa pensativa.Refleti por mais ou menos uma semana e resolvi fechar negócio. Em poucos dias, me sentia a própria Branca de Neve,esperando meus sete anões voltarem.Cozinhei pra eles e limpei a casa,estava tudo impecável.Mas eles nunca apareceram. E comecei a viver ali,assim mesmo,sozinha.A etiqueta e os bons costumes dizem que a mesa é o melhor lugar para se comer. No meu caso,coloquei um colchão de casal no chão(assim mesmo,sem box,sem nada)e naquele espaço também funcionava minha mesa.Uma noite,chamei uns amigos,pedimos umas pizzas e ficamos ali mesmo em cima da minha cama,comendo pizza e fazendo bagunça.Sem nenhuma vergonha,sem nenhum constrangimento,aquele era meu lar.
Era ali que eu chegava,depois de um dia cansativo,abria a pequena janela quando era verão,via meus programas de televisão,abria meu computador e falava com meus amigos.Triste? Jamais.Alguns me perguntam como podia morar na casa dos sete anões se ela existia só na história infantil.Outros a comparavam a uma caverna escura onde um gato miava toda noite.Pra mim,a escuridão me incomodava só quando eu permitia.Um verão magnífico,um inverno complicado e frio.Por quase um ano eu vivi naquela casa.Ali,onde o banheiro não tinha porta e a janela não tinha panorama,entendi que o viver vai muito mais além de limites físicos e arquitetônicos.Ali aprendi que viver,daquele momento em diante,dependeria só da minha capacidade de enxergar o mundo com os olhos cheios de otimismo e muita aceitação.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Água

Foto by turmadamonica.com

O uso da "vassoura hidráulica" gasta, em 15 minutos,36 litros de água limpa.Quem lava a calçada uma vez por semana joga fora 1728 litros por ano e, em 20 anos,34560 litros.Essa água mataria a sede de uma pessoa por 47 anos.
MINHA VIZINHA DEVERIA LER ISSO