Publico comentario do Beto acerca do post que escrevi sobre a África:
Hoje acordei beeeem distante, tão distante que o lá ficou muito próximo e não era mais lá, era aqui! Uma distancia tão longe que não tinha diferença entre o sangue azul do africano e o meu, entre o amor de mãe e o amor ao próximo, entre um país, um continente e uma só humanidade. Era tão longe que dava para visualizar tudo no mesmo saco, as nações, as culturas, os sectarismos, a matança por muito dinheiro e por pouco, a inconsciência dos espertos e a ignorância dos excluídos, e por fim, a indiferença de todos nós, .... que sabemos de tudo, mas que não fazemos nada, nada pelo africano segregado, pelo brasileiro escravo, pelo filho do brasileiro na rua, pelo animal no frigorífico, pelos filhotes nas jaulas, pelo nosso Ser e por nossa Terra....antes tivesse me deixado dormir um pouco mais.
PS: Hoje reencontrei Michele. Ela me disse que os pais estao bem e que a situação está mais tranquila. A Fifa ameaçou suspender a realização da Copa do Mundo na Áfica se os ataque continuassem..
sexta-feira, 30 de maio de 2008
quinta-feira, 29 de maio de 2008
À minha pequena princesa
Nunca estive no Canadá, mas posso imaginar a casinha onde vive minha querida amiga Marie Hélène Montpetit, em Drummondville, perto de Montreal. Aliás, por onde andará Marie? Minha amiga perdeu-se pelo mundo, passou pela Finlândia, Itália, voltou pro Canadá e foi para o Japão. Apaixonou-se em cada um desses lugares, experimentou ávida e curiosa o sabor e cheiro de cada um deles, deixando por todo lugar um perfume suave e uma risada que me lembrava o Pequeno Príncipe. Aliás, Marie era igual ao Pequeno Príncipe desenhado na capa do livro. Consigo imaginá-la vestida com a roupa do príncipe,calça, casaco e botas com as mãos na cintura em cima de seu B612 a olhar a rosa. Ali estava Marie Hélène de Saint Exupèry
O primeiro ataque de riso que presenciei de Marie era destinado a mim mesmo.No inverno fui dormir na sua casa e ao trocar de roupa ela riu da minha ceroula,exagero típico de morador de país tropical em passeio pelo Velho Mundo.
Foi nessa mesma noite, que a vi passar de um extremo ao outro. Da risada gostosa ao choro não transcorreram nem mesmo duas horas. Da ceroula à foto de seu pai já morto de câncer, algumas imagens e histórias.
Com sotaquezinho francês ela me olhava desesperada no meio de uma aula de conversação e dizia na minha língua: Que saco!!.... é que a gente nao via a hora de andar rua à fora, rumo ao nada. Parar para comer um sanduíche,tomar um sorvete quando nossos poucos trocados nos permitiam.
Não tinha nada melhor, depois da chegada do verão, do que deitar com a Marie num gramado bem fofinho pra pegar sol e ficar de bate papo..às vezes, perdíamos a hora.
À noite, entre um gole de vinho e outro,sentadas no banco da praça em frente ao carrossel, a gente falava de homens, de sexo e eu entendia que incertezas e inseguranças de papo de mulher eram algo universal.
Acho que foi com ela que aprendi a dar ouvidos à minha alma aventureira. "Marie,depois daqui,pra onde voce vai?"....Ah,vou dar um pulo no Canadá e depois não sei...mmm,acho que Austrália!!...assim mesmo,sem pátria,sem rumo,sem muitas peças de roupa..mas assim,feliz!
Assim como o Pequeno Príncipe, Marie deixou sua rosa e seu planeta e saiu voando pelo mundo, de carona na cauda de uns cometas.Hoje, quando lembrei dela, fui pra janela procurar uma estrela.Lembrei da viagem do Petit Prince e das estrelas de que tanto ele falava. Ficou difícil no céu da cidade grande encontrar uma estrela pequena pra ser Marie nas minhas lembranças, mas nada disso importa, afinal, segundo o próprio Pequeno Príncipe, só se vê bem com o coração,o essencial é invisível aos os olhos.
O Segredo
Há cerca de dois meses, estive em uma palestra do jornalista Ricardo Kotscho que estava em BH para lançar seu último livro "Uma vida nova e feliz". Durante o bate papo, Kotscho contou sua aventura do dia. No caminho de São João del Rey onde fora realizar uma matéria para a revista Brasileiros, ele e o editor Hélio Campos Mello,encontraram sentada na beira da estrada uma figura muito interessante.A imagem do senhor ancião de chapéu de palha, cortando fumo de rolo não estava na pauta,mas era tão intrigante e ao mesmo tempo tão brasileira que acabou chamando a atenção dos dois e virando uma matéria.
Não só o jornalismo tem dessas coisas. No nosso dia a dia ou em uma viagem, basta ter uma dose certa de sensibilidade para fazer iguais descobertas. De onde menos se espera surgem coisas,causos e personagens tão interessantes que não parecem mesmo ser deste mundo.
No meu caso, a protagonista era a Cachoeira do Segredo.Tínhamos viajado cerca de 3 horas de carro de Brasília até o povoado de São Jorge(somam-se mais 11 horas para mim de BH a Brasília)e caminhado em uma trilha,passando pelo mato e atravessando 28 vezes o rio por mais 2h30 para finalmente alcançar nosso tesouro, uma maravilhosa queda d'agua de 118 metros incrustada em uma rocha onde o sol bate somente poucas vezes ao ano. Estava ali,bem diante dos nossos olhos, o que pra mim é Deus, a natureza com toda sua energia, a Cachoeira do Segredo.
O personagem que me roubou a cena, assim como o ancião que tomou o espaço da matéria de Kotscho se apresentou: Meu nome é Wilson, deixa "Dilson", pára com "Ilson", muito prazer!!!Mais uma vez, acreditei piamente que existe dentro de mim,em algum lugar escondido, uma espécie de aparelhinho captador de figuras pitorescas e estranhas desse planeta,que num lugar como São Jorge, parece funcionar na sua máxima potência.
Pois bem...o Seu Wilson deixa Dilson me contou que foi o primeiro guia da Chapada dos Veadeiros e que conhecia muito bem a região, herança de seu trabalho como garimpeiro, função que passou de geração e geração na família e parou por ali mesmo,já que os recursos um dia se acabaram e além disso, ele nunca quis ter filhos . "Que nada, a vida tá muito difícil hoje, os jovens só querem saber de se drogar".
Com uma ótima memoria,no auge da boa forma ele me contou que lembra como se fosse ontem da primeira "guiada" que fez pela região. "Foi em 77 e eu guiei um casal de São Paulo, com três filhos, dois meninos e uma menina".
Quando eu falei que era de Minas,seu Wilson não escondeu o fascínio pela mulher e pela música mineira. Diz ele que Minas e Goiás são um povo só, no jeito,na música e nas moças bonitas. Affe, bonita pra mim era a risada dele, o gosto com que ele contava as histórias da região onde nasceu e sempre viveu.
A imagem do seu Wilson sentado numa pedra olhando a queda d'água me dizia alguma coisa. O que será que esse velho tá pensando??Ele vem aqui há pelo menos 30 anos. Já viu essa imagem pelo menos umas 500 vezes...Qual é a dele?
Acho que a resposta veio no momento em que voltei minutos atrás e senti novamente a mesma emoção ao levantar os olhos e me deparar com aquela obra de arte da natureza. Impossível ignorar a magia e o encantamento do Segredo e descobrir que ali não existem protagonistas e coadjuvantes, nem matéria principal ou retranca.
segunda-feira, 26 de maio de 2008
E se você estivesse lá...
Você sabe o que está acontecendo neste exato momento na África do Sul? Provavelmente não. A menos que seja um devorador de jornais diários, daqueles que exploram cada linha,incluindo as pequenas notinhas no canto da página, espaço geralmente dado à questões que envolvam o continente africano.
Muito da violência e dos verdadeiros absurdos cometidos na África, incluindo os grandes genocídios da história, ficam restritos ao cenário de pobreza e miséria que acomete aquele povo.Recentes produções como Hotel Ruanda e Tiros em Ruanda e O Último Rei da Escócia mostram com um imenso atraso o que deveríamos ter visto em tempo real: tragédias e atos de violência que tiraram a vida de tantos e a dignidade dos que ficaram.
O mundo inteiro viu a África viver em um regime de segregação com o apartheid. As imagens de crianças magras,esqueléticas, subnutridas giram o planeta desde que me entendo por gente.
Hoje, fiquei sabendo de mais um grave problema que a África está enfrentando.Mas não porque procurei a tal notinha no canto do jornal,mas porque escutei ao pé do ouvido uma história que uma colega contava à outra com verdadeiro pânico e ansiedade.
Esta menina se chama Michele e seus pais atualmente moram em uma pequena cidade da África do Sul,que agora não me lembro o nome. Eles trabalham em projetos de educação e evangelização da população de vilas e cidades africanas.
Ouvi,da boca de Michele, que ela estava muito precupada com os pais e os dois irmãos que estão por lá. Explico o porquê.
Com o fim do apartheid,em 1991, a África do Sul ficou livre para o trânsito dos países vizinhos e milhões de imigrantes foram para o país em busca de trabalho e melhores condições de vida. Os problemas sociais aumentaram e estas pessoas acabaram sendo responsabilizadas pela alta taxa de desemprego, falta de moradia e aumento excessivo da criminalidade.
Há mais de uma semana,radicais de Johannesburgo e cidades vizinhas iniciaram um movimento xenófobo para expulsar os imigrantes. A violência é a arma principal com vítimas queimadas, espancadas até à morte ou liquidadas à machadadas,como relatou os pais de Michele à filha.
Quem não foi morto,teve seus barracos incendiados e perderam tudo. Os refugiados buscam apoio nas delegacias e igrejas da cidade.
Minha colega Michele me disse que a situação é tão grave que seus irmãos adolescentes são pegos na escola por um carro especial e escoltados até a casa onde vivem. Ela me diz o quanto é desesperador estar tão longe das pessoas que ama, sabendo que a qualquer momento, alguma coisa pode acontecer a seus entes queridos em uma África sangrenta até mesmo para aqueles que estão ali para ajudar.
Desde o início dos conflitos na semana passada até hoje, mais de 40 pessoas morreram e 25 mil procuram refúgio nas delegacias e igrejas.
É lamentável tomar consciência de que a África, que lutou tanto para extinguir o apartheid,vive um processo similar àquele condenado pelo mundo inteiro.É triste imaginar que pessoas como a gente, de carne e osso,que são mães,filhos,amigos morrem em um conflito bárbaro e que quase ninguém faz nada por eles ou nem tomam conhecimento do que está acontecendo.
Dignos são os pais de Michele que em um ato de desprendimento e amor estão prontos para educar e fazer a sua parte para a construção de uma nova consciência.
Dignos são aqueles que conseguem amar, deixando pra trás seus entes queridos e adotando novas vidas, mesmo que isso signifique entrar em uma luta que aparentemente não tem fim.
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Passagem para a Índia
terça-feira, 20 de maio de 2008
Sábado em Brasilia
Quando descobri a idade daqueles dois meninos que vagavam pelo setor Sudoeste,em Brasília,imediatamente voltei no tempo e num esforço bruto me vi aos 13 anos.A minha vida era normal como a de qualquer menina daquela idade.Escola,inglês,curso de violão e de volei,leitura obrigatória de Revista Capricho,mochila e tênis da moda.O filme passou depressa na minha cabeça,e em uma velocidade incrível,voltei para aquela cena.Em plena tarde de sábado, Fernando e Joel caminhavam sem rumo e passaram na frente do restaurante em que estavámos almoçando.Não pude acreditar quando soube que aqueles dois mulequinhos com sorriso no rosto e tanta desenvoltura pra falar são pequenos ladrõezinhos na capital federal.A menina que servia no restaurante olhou de cara feia mas eu enchi a mão de pão e entreguei pra um deles.Já passava das 3 da tarde e eu tomava uma taça de vinho que fora precedida de queijos importados,pasta italiana e carne.Os dois, tinham nas mãos o finalzinho de um pacote de biscoito Maizena que alguém deve ter dado,assim como eu quis oferecer o pão.Perguntamos se eles tinham comido, mas eles disseram que nao estavam com fome.Mais que qualquer coisa,queria saber que raios eles faziam lá,numa tarde de sábado,longe da casa da periferia,andando pra um lado e pro outro. Eu tentava advinhar quais seriam os diálogos de um dia inteiro daqueles dois no trajeto sem rumo e sem destino que eles faziam. Certamente não estariam falando da prova de matemática do dia seguinte,tampouco cheirando as canetas coloridas e colando adesivos nos cadernos como fazia eu na idade deles. O cheiro pra eles era bem outro: era cheiro de comida velha, textura mole de biscoito dormido ,fedor de lata de lixo,fumaça de carro,amarelo de dente e sujeira que não se deixa confundir com a pele da cor de jambo. Fiquei novamente indignada quando soube que eles deixam de frequentar a escola quando o governo atrasa na liberação dos passes de ônibus. Nestas ocasiões,só os alunos "ricos" que podem pagar a passagem, acabam participando das aulas.E eles ficam ali,vagando pelas zonas comerciais frequentadas por famílias,jovens ou casais de namorados que decidem se presentear com lazer, bem estar e convívio social.A maioria deles fecha os olhos quando Joel e Fernando passam, sem saber que estão fechando os olhos nao só pros dois, mas para uma infinidade de meninos e meninas que se encontram na mesma situação.
Pergunto-me ainda, incrédula de tudo aquilo, se as mães destes meninos sabem onde eles estão. Me lembro da minha mãe que até poucos anos atrás, não dormia enquanto eu não chegasse em casa.Penso na filha da minha irmã e penso ainda nos filhos que um dia eu vou ter. E penso em quantos outros filhos essas mulheres ainda têm e vou mais além, imaginando como elas eram quando tinham seus 13 anos.Talvez já guardavam nas suas barrigas o Fernando e o Joel.
Nas viagens dos meus pensamentos tento encontrar explicação pra uma coisa óbvia que está bem na frente dos meus olhos, a realidade.Não encontrando respostas, busco consolo em uma coisa que me trazia alegria aos meus 13 anos e que também traria a mesma alegria a Joel e Fernando.Procuramos a sorveteria mais próxima,levamos os dois e cada um escolhe seu sabor. O gosto amargo da situação não impede que celebremos a tarde de sábado.
quinta-feira, 15 de maio de 2008
terça-feira, 13 de maio de 2008
Histórias de Verão
Qual será a magia que faz com que um lugar se torne inesquecível nas nossas lembranças?
A mudança de estação afeta muito menos a gente que a população do hemisfério sul,mas quando os primeiros ventos de primavera sopravam no continente europeu, era sinal de que uma grande mudança de atmosfera e de comportamento estava por vir,fazendo uma verdadeira revolução dentro de mim.
As primeiras saídas pela manhã com um casaquinho leve que logo lá pelo horário do almoço desaparecia da produção, anunciavam com a alegria a chegada de um novo tempo. E os primeiros finais de semana com sol e calor significavam uma viagem de trem até o litoral mais próximo,todos os anos...Em alguns, acontecia em maio,outros em junho..
Minha primeira ida a Castigliocello,lugar eleito para o post de hoje, foi planejada com muito esmero. A cerveja ficava por minha conta. Ia a pé até o supermercado "low cost" perto do aeroporto e comprava várias latinhas de cerveja alemã a 0,39 centavos de euro.Minha amiga Simone ficava por conta de preparar os sanduíches e colocá-los em alguma vasilha segura...Bastavam nossas mochilas,a bolsa térmica e muita alegria,lá íamos nós para a estação de trem desbravar o litoral Tirrenio.
Foi em uma dessas viagens de fim de semana a Castiglioncello que presenciamos uma das cenas mais bizarras de nossas vidas.Um suposto passageiro colocou-se entre um vagão e outro e ali ficou...Nada demais se durante a viagem não o tivéssemos flagrado tirando a roupa e ficando completamente nu...E ele não estava indo pra Castiglioncello,portanto não era uma desculpa pra trocar de roupa e botar a sunga pra curtir a praia.
Ao perceber seu movimento,seguramos firme o guarda-sol.Se fosse preciso,sim,ele viraria uma arma.Chamamos o bilheteiro,mas era tarde...Como se nada fosse,o peladão se vestiu novamente e desceu tranquilamente na estação de Livorno,sumindo na multidão.
O bilheteiro nos avisou que poderíamos fazer uma queixa se quiséssemos,mas um dia inteirinho de praia e sol nos esperava e não queríamos perder sequer um segundo.
Umas duas ou três vezes revi o taradão do trem rondando por duas estações,a de Firenze e a de Pisa.Uma incógnita no meio do povo.
Chegar em Castigliocello era passar por Livorno,admirando do trem, o litoral e surpreendendo-se com um pedaço de estrada que com a velocidade do trem deixava entrever rapidamente uma ponte linda sobre o mar.Eu ficava sempre atenta pra não perder essa parte.
Chegando no nosso pedacinho de praia pública,já que na Itália as praias sao loteadas em zonas que pertencem à estabelecimentos balneários(você tem que pagar para deitar-se num pedacinho de areia),o trabalho era só encontrar um espacinho, estender nossa canga e deitar tranquilamente. Chegar cedo era fundamental.Cada milímetro de praia livre era disputadíssimo. Afinal, quem não queria desfrutar da maravilhosa praia onde diziam que Marcello Mastroiani teria sido dono da casinha amarela do fundo das pedras?
E ali a gente ficava,tentando advinhar como se chamaria o salva vidas bonitão,colocando defeito nos biquinões das gringas e acompanhando cada lance da pelada que a turma disputava religiosamente por volta das 2 da tarde.A galera,liderada pelo Bell do Chiclete com Banana(o cara era igualzinho)era a mesma todo ano.Além, é claro da loira aguada que suspeitávamos ser a namorada do baywatch bonitão.
Tinha mulher de biquini brilhante de lantejoula,onça,zebra e tinha até quem levava farofa.Muita gente levava farofa.Nosso sanduichinho com cerveja era aperitivo perto de macarronadas e tomates com oléo,sal e orégano.
Tantas foram as histórias que contávamos uma pra outra que durante um dia inteiro a gente tinha um resumo completo do que tinha sido a vida da outra até aquele presente momento.Isso acontece quando temos ao lado pessoas especiais em lugares maravilhosos.Paixonites da adolescência,projetos de vida,saudades da família,cremes e tratamentos estéticos inovadores(não pode faltar isso,né?),desilusões,dificuldades,felicidades...cumplicidade.
As areias de Castiglioncello não presenciavam somente gringos branquelos em busca de sol,crianças em seus primeiros mergulhos, mostrando os peixinhos aos pais, nem a vaidade exacerbada de mulheres e homens. Aquele pedacinho de terra, que foi por muitas vezes nosso refúgio e paraíso, foi testemunha de uma amizade forte,onde um sorriso falava tudo e sabia a hora certa de desmontar barraca, ir tomar um sorvete e voltar pra casa, afinal o verão estava apenas começando.
sábado, 10 de maio de 2008
...belas palavras
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Amor de telhado
Geralmente as canções românticas utilizam dos mais variados temas para contextualizar o amor. Fogo, casa, porto seguro, vida, céu... Nunca tinha visto porém quem o comparasse a um simples pombo. Até porque a figura do pombo é bem contraditória. Se pode parecer divertida para as crianças, que escoltadas por adultos, lhe oferecem o milho, pra muita gente é sinônimo de algo feio, de sujeira, de doença.Tudo bem que existe a antiga expressao dos "dois pombinhos",mas ninguém mais diz uma coisa dessas.
Em 2006,Giuseppe Povia,um cantor italiano, apresentou uma música no Festival de San Remo que se chamava "Vorrei avere il becco", algo como Gostaria de ter o bico.A música acabou por vencer o festival, mesmo debaixo de uma polêmica gerada pela crítica, que não estava totalmente de acordo com a escolha.
Um texto simples,de comparações singelas acabou por conquistar uma Itália cada vez mais desiludida e cansada.Na música, Povia diz: "gostaria de ter o bico pra me contentar com as migalhas,concentrado e atento,mas com a cabeça nas nuvens.Viver com a emoção de dar confiança a quem me dá o pão".
O valor amor, que deveria existir e andar lado a lado com a simplicidade, é a essência da música de Povia, que para muitos(e para mim também)é uma bela poesia. Porque ele trata o amor, o companheirismo (quando fala da avó que suportou o avô por 50 anos vivendo no campo)de uma forma que foge dos padrões seja da música romântica melosa que daquela que fala do amor como a paixão carregada de sofrimento.
Povia questiona onde foi parar o verdadeiro amor,aquele pela companheira,pela família,pelo individuo que está do nosso lado, apontando que as pessoas, por razões pequenas e egoístas, destroem seus sonhos e grandes amores.
Povia simplifica genialmente conceitos complexos. Em entrevista ao site caffè.it,o cantor observou que a mídia, assim como grande parte da população,se fantasia de intelectuais de esquerda,só porque está na moda e não conseguem captar o essencial, que é a coisa mais simples. "A música nunca mudou o mundo,mas ela ajuda a viver melhor",diz.
Lá no fundo,alçar grandes voos não significa muita coisa na vida de ninguém. Descobrir a satisfação que traz a simplicidade está sendo meu grande trunfo e esta canção do Povia não poderia deixar de participar da trilha deste momento..."Voarei,mas não muito alto, porque o segredo é voar baixo e um pombo voa baixo".......Para quem quiser ver/escutar a música:
http://youtube.com/watch?v=PVj1Bmk4Mus&feature=related
quinta-feira, 8 de maio de 2008
terça-feira, 6 de maio de 2008
Meu café com Renata
Conheci a senhora Renata no bar que diariamente tomava meu café da manhã. Já vivia na Itália há alguns anos e o hábito italiano de tomar o capuccino com a brioche no bar, antes de ir trabalhar, já tinha virado meu também. No tumulto e no burburinho daquele espaço onde tantas pessoas se amontoavam para tomar o capuccino mais gostoso da cidade, observava aquela senhorinha pequenina com o cabelo castanho chanel, estilo capacete e com as raízes sempre brancas.
Na confusão típica dos italianos que falam alto, reclamam da vida e têm pressa pra tudo, só dava pra ver os bracinhos espremidos no balcão, cada um em busca do seu café. Era inverno pleno e todo mundo usava roupas bem pesadas. Toda vez, a senhora Renata quase me derrubava, na aflição de tomar seu café sentadinha nas disputadas mesas. Ela tinha razão afinal, na Itália não existe tanta gentileza com o idoso. Se existissem leis que permitissem que eles ultrapassasem filas e tivessem lugar preferencial no transporte público, tudo seria dominado por eles. Afinal, é um dos países com a população ativa mais velha do mundo.
Pois bem. Acabou que um dia coincidentemente eu me sentei ao lado da senhora Renata e inesperadamente ela começou a conversar comigo sobre as manchetes do Leggo, o tabloide gratuito que pegávamos pela manhã pelas ruas da cidade. Não me lembro qual era a polêmica do dia, sei que bastou para engatarmos uma animada conversa. Disse a ela que vinha do Brasil e ela se encantou com a minha história, mas ficou sem entender como eu podia vir de tão longe e ficar tanto tempo sem ver a minha família.“A minha família está toda no Veneto. Meu marido era toscano e me trouxe pra cá. Depois que ele morreu, nunca mais voltei para minha terra. Fiquei aqui sozinha. Não tivemos filhos”, me disse.
O olhar atento e as mãos sujas do açúcar que salpicava a brioche de creme que ela sempre pedia, me chamavam atenção. Uma coisa era certa. A senhora Renata era muito caprichosa. Preocupada com o visual, ela tinha as mãos sempre pintadas com um esmalte meio rosado, que não cobria inteiramente suas unhas. Questionávamos, porém, por que com a vida boa que levava com a herança deixada pelo marido, ela preferia se arrumar em casa a ir numa boa cabeleireira para ajeitar o cabelo.
“Mas a senhora não vai visitar sua família no Veneto? Com o trem é tão tranquilo...”, questionei. “Não, tesouro, morro de medo seja de trem que de carro. As estradas são tão perigosas e eu não aguentaria ficar tanto tempo dentro de um trem”.A distância entre a cidade em que estávamos e a sua somaria acredito umas 4 horas no máximo de trem...Se ela pudesse imaginar que em 4 horas de avião eu não ultrapasso as fronteiras do meu país...
Era assim todo dia. Ela morava nas colinas perto da cidade e combinava com um taxista que a pegava toda manhã na porta de casa e a levava no centro para o café da manhã no bar.
Pelas manhãs seguintes, a rotina era sentar ao lado da senhora Renata e fazer-lhe um pouco de companhia no único horário do dia em que ela tinha pra conversar.
Não demorou muito para que outras meninas que também frequentavam o mesmo bar se juntássem a nós para nossa troca diária de histórias e conversas. A senhora Renata adorava relembrar os tempos da sua juventude e nos contava como era a Itália naquela época, das viagens que fazia com o marido para a Escócia. Tinha dias em que dava pra ver que a solidão tinha conseguido inundar a sua vida de tristeza e depressão. Os assuntos sempre recaíam sobre os tempos com o marido e da grande falta que lhe fazia ter tido filhos. “Moças jovens como vocês devem aproveitar a vida,mas depois têm que encontrar um homem bom e ter filhos. Não façam como eu que fiquei aqui sozinha, façam um filho que no futuro poderá cuidar de vocês”, nos dizia sempre.
Nunca estive tão próxima aos sentimentos de alguém como estive dos dela na época de Natal. Ambas evitávamos o convite das pessoas cheias de boas intenções que nos chamavam para a ceia. O nosso motivo era o mesmo: Sentiríamos uma inveja profunda daquelas pessoas com as suas famílias e nós, distantes das nossas.
De vez em quando, ela aparecia com os olhinhos fundos de quem não tinha dormido a noite inteira. “Acordei às 2 da manha morrendo de fome, acendi o fogão e preparei um belo prato de pasta com molho de tomate”.E eu imaginava aquela senhorinha na calada da noite, sozinha na sua grande casa com a sua camisola na cozinha preparando o spaghetti.
O que mais admirava na senhora Renata era a sua sensibilidade e franqueza. Se não gostava de uma atitude ou de uma pessoa, não pensava duas vezes e dizia sem rodeios que certa coisa não lhe agradava.
Um dia, sem que eu esperasse, ela parou, me olhou e disse: “ Você é uma menina muito boa. É uma coisa que está no seu olhar e no seu sorriso, tenho certeza de que será muito feliz”. A partir deste momento, o que pra mim já era um personagem transformou-se em algo ainda mais significativo. Tanta ternura não poderia caber num ser humano daquele tamanho.
As idas ao nosso bar pela senhora Renata nada mais era que a sua tentativa de encontrar uma fuga para as suas mais íntimas lembranças. Fiquei imensamente feliz em dirigir um sorriso e quinze minutos, (às vezes dez) da minha corrida e ridícula rotina a uma pequena amiga que não gostava de viagens de carro e trem e escondia de todos a verdadeira data de seu aniversário.
quinta-feira, 1 de maio de 2008
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