segunda-feira, 30 de junho de 2008

História de uma nova vida



Ainda não conheci a casa da Priscila e do Gaúcho,mas imagino ela assim


Quando eu era criança,na casa do lado da minha avó morava um sujeito bigodudo que se chamava Gaúcho. Pelo menos era assim que o chamavam. Ele contou pra gente que vinha do sul,depois de morar muitos anos no Rio de Janeiro. Dizia ele que era primo da cantora Elba Ramalho e me lembro que a gente não cansava de pegar a agenda da casa da vó e ligar escondido para tentar falar com a Elba. Muito,muito tempo passou e voltei a encontrar o tal Gaúcho em janeiro de 2007 quando vim ao Brasil para o batizado da minha sobrinha. Ele tinha voltado pra Barbacena e, como bom gaúcho,tinha virado o churrasqueiro oficial da festa. A filha do Gaúcho, a Priscila era muito simpatica e deu até presente pra minha sobrinha.
Querendo aproveitar minhas férias,fui com minha irmã pro Rio e peguei uma carona com o Gaúcho que direto ia praquelas bandas.
Durante a viagem que durou cerca de 3h30,eu escutei a história mais comovente e tocante de toda minha vida.
Gaúcho e Priscila, pai e filha, tinham se conhecido havia só alguns meses.
Priscila cresceu que não sabia quem era seu pai. A única coisa que sua mãe sabia era que ele era um soldado do exército vindo do Rio Grande do Sul com um nome e sobrenome muito comum.Eles se conheceram no Rio de Janeiro na casa de uma senhora que alugava quartos e para qual trabalhava como doméstica a mãe de Priscila. Durante o tempo em que ficou hospedado ali,o pai se encantou pela mocinha bonita que lhe servia o café e limpava seu o quarto.Umas duas vezes,ao invés de arrumar o quarto,ela acabou bagunçando tudo.Passou um mês e o soldado partiu pra rumo desconhecido.A barriga da mocinha cresceu, a patroa se zangou e a mãe de Priscila, envergonhada, teve de pedir abrigo a uma tia.
Viveram com muita dificuldade,mas Priscila conseguiu estudar,crescer forte,saudável e inteligente.Mas seu maior sonho era saber de onde veio,encontrar seu pai,conhecer o homem que nem sequer imaginava que ela pudesse existir.Jamais se sentiu abandonada, ela sabia que o pai tomou um rumo desconhecido e tinha a convicção de que se ele soubesse da sua existência,a procuraria.
Por diversas vezes mandou cartas e mais cartas para a Porta da Esperança do Sílvio Santos.Nunca responderam.
Priscila começou a trabalhar em um salão no Rio como cabeleireira.A clientela era grande e o ambiente propício a fofocas,conversas,lições de vida e histórias variadas.
Uma vez, Priscila atendeu uma moça nova,de sotaque estranho e quis saber de onde ela vinha. A moça em questao era Rosa,uma gaúcha de Caxias do Sul que tinha se mudado com o marido para o Rio.Quando soube a origem da nova cliente, Priscila contou sua história e a tal moça se sensibilizou.Lembrou-se de um parente que trabalhava no TRE e tinha acesso aos títulos de eleitores de toda a cidade.A tal moça passou por cima de todos os protocolos,entrou em contato com o tal parente,em busca de notícias do pai da moça. Acharam dezessete nomes iguais na cidade de Caxias,pegaram os números de telefones e começaram a ligar.Nenhum deles pertencia a seu pai. Foi então que o tal parente da sua cliente encontrou entre os documentos,uma mudança de título para a cidade de São Paulo.A última esperança.Priscila ficou sem voz quando da outra linha um homem disse alô.Ela tinha certeza de que ele era o seu pai.Se identificou, contou que morava no Rio de Janeiro e perguntou se havia conhecido uma moça que se chamava Glória há mais de 20 anos.Assustado,mas disponível,o senhor do outro lado da linha respondeu que sim e juntos começaram a chorar. Ela disse que era sua filha e ele explicou que tentou varias vezes procurar pela tal Glória,mas a patroa disse que ela tinha sumido.Ele não havia se casado,não tinha nenhum filho e vivia sozinho em São Paulo,aposentado como bancário.
Combinaram de se encontrar lá mesmo no Rio de Janeiro.Ele pegou o endereço de onde ela morava e bateu a campainha numa tarde de janeiro.Ela estava linda e para ele, lembrava a mãe.Deu-lhe um abraço apertado,cheio de emoção e de lágrimas.Ela,sem graça, tentava resumir ao pai 22 anos em poucos momentos.Resolveram sair para lanchar.Ele via nela o sorriso,os cabelos e o jeito maroto da mãe.Ela tentava descobrir nele traços semelhantes a ela e aos milhares de rostos que durante anos imaginou pra ele.Passaram um fim de semana maravilhoso juntos.Passearam pela praia,contaram um pouco de suas vidas e ela não pensou duas vezes quando ele lhe fez a proposta: Venha morar comigo,minha filha.
Escolheram um lugar para morar perto de Barbacena,compraram um terreno na roça e ali começaram a construir uma casa.Priscila sonhava em estar com o pai até o dia em que encontrasse um bom moço pra se casar.Ela era uma menina muito simples,mas bonita,simpática e inteligente. Acho que não vai ser difícil encontrar namorado.
Gaúcho me disse que dali em diante a vida seria assim: pegar o carro e passear com Priscila pelo Brasil,assim mesmo sem destino,com um Guia 4 Rodas no porta luvas do carro. Mostrar pra filha as coisas que ela nunca pôde ver.Reinventar uma vida que não viveu,tentar aproveitar os momentos que perdeu.Quem sabe quando vierem os netos ele poderá imaginar os primeiros passos de Priscila,as primeiras palavras e os primeiros problemas.Basta que estejam vivos,felizes e saudáveis.Basta que haja amor e esperança,os mesmos incentivos que levaram Priscila a acreditar e encontrar aquele que agora enche a boca para chamar de pai.

Um comentário:

Renata Carvalho Rocha Gómez disse...

sabe o que da muita vontade de fazer ao ver essa foto? estar na frente dessa casa, tirar os sapatos e pisar no chao... respirar fundo e ver que a vida tem gosto de terra molhada !