domingo, 14 de setembro de 2008

Coração Mole

Foto by Google


Eu era bem pequena mas ainda me lembro que enquanto eu jogava pedrinhas naquele rio em que morria de medo de cair,lá pelas 5 da tarde, de ver aqueles homens que passavam em direção ao botequim da minha tia.Com as botas cheias de barro,camisas rasgadas e cigarro de palha na boca, eles pediam a cachaça(ou quando podiam,a cerveja) e começavam a jogar sinuca na grande e velha mesa.Não entendia suas conversas,seus trejeitos mas certamente a estranha ali era eu.A menininha de roupa combinando e lacinho na cabeça,limpinha e com as janelinhas na boca.Mas me ignoravam.
E eu gostava de ficar atrás do balcão e de me esconder no depósito onde tinha maria mole colorida em forma de sorvete com uma surpresinha de plástico pendurada,chiclete com figurinha e caixas e mais caixas de doces.Não podia pegar nada por recomendação da minha mãe.Mas a tia sempre deixava levar alguma coisinha.
No botequim tinha uma televisão bem grande daquelas de tela verde,bem no alto da prateleira.À noite,quando fechava, a gente sentava em cima do balcão e ficava assistindo o Chico Anisio vestido de vampiro.Com as luzes apagadas,é claro.
Eu me lembro também que a gente tomava banho de bacia e era muito divertido.Enchíamos a bacia de aço de água quente e tomávamos um banho bem rapidinho,molhando todo o chão do banheiro. Na cozinha tinha um fogão de lenha e na casa ao lado, o pé de maracujá do seu Otávio fazia sucesso. Descendo as escadas,disputando lugar com as galinhas e frangos,chegávamos à garagem do fusca vermelho e ao paiol cheio de espiga de milho que a gente debulhava pras galinhas.
O rio era território meio que proibido,mas sempre ficava alguém pescando por lá e a gente ia dar uma olhada.A minha tia era o máximo da alegria e da bondade.Tinha um coração que de tao grande não cabia no peito. Quando ela subia o morro pra tocar o gado ofegava e cansava fácil,mas não deixava de me mostrar no caminho, a plantinha que fechava as folhinhas quando a gente a tocava.
Até que um dia,o coração dela parou pra nunca mais bater.Não me lembro de velório,de enterro,de cemitério.Me lembro dela,me lembro do botequim e de uma foto que não sei onde colocaram.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tás ficando cada dia melhor nessas crônicas, Isa. Praticamente me vejo em cada um dos teus cenários.