segunda-feira, 30 de junho de 2008

História de uma nova vida



Ainda não conheci a casa da Priscila e do Gaúcho,mas imagino ela assim


Quando eu era criança,na casa do lado da minha avó morava um sujeito bigodudo que se chamava Gaúcho. Pelo menos era assim que o chamavam. Ele contou pra gente que vinha do sul,depois de morar muitos anos no Rio de Janeiro. Dizia ele que era primo da cantora Elba Ramalho e me lembro que a gente não cansava de pegar a agenda da casa da vó e ligar escondido para tentar falar com a Elba. Muito,muito tempo passou e voltei a encontrar o tal Gaúcho em janeiro de 2007 quando vim ao Brasil para o batizado da minha sobrinha. Ele tinha voltado pra Barbacena e, como bom gaúcho,tinha virado o churrasqueiro oficial da festa. A filha do Gaúcho, a Priscila era muito simpatica e deu até presente pra minha sobrinha.
Querendo aproveitar minhas férias,fui com minha irmã pro Rio e peguei uma carona com o Gaúcho que direto ia praquelas bandas.
Durante a viagem que durou cerca de 3h30,eu escutei a história mais comovente e tocante de toda minha vida.
Gaúcho e Priscila, pai e filha, tinham se conhecido havia só alguns meses.
Priscila cresceu que não sabia quem era seu pai. A única coisa que sua mãe sabia era que ele era um soldado do exército vindo do Rio Grande do Sul com um nome e sobrenome muito comum.Eles se conheceram no Rio de Janeiro na casa de uma senhora que alugava quartos e para qual trabalhava como doméstica a mãe de Priscila. Durante o tempo em que ficou hospedado ali,o pai se encantou pela mocinha bonita que lhe servia o café e limpava seu o quarto.Umas duas vezes,ao invés de arrumar o quarto,ela acabou bagunçando tudo.Passou um mês e o soldado partiu pra rumo desconhecido.A barriga da mocinha cresceu, a patroa se zangou e a mãe de Priscila, envergonhada, teve de pedir abrigo a uma tia.
Viveram com muita dificuldade,mas Priscila conseguiu estudar,crescer forte,saudável e inteligente.Mas seu maior sonho era saber de onde veio,encontrar seu pai,conhecer o homem que nem sequer imaginava que ela pudesse existir.Jamais se sentiu abandonada, ela sabia que o pai tomou um rumo desconhecido e tinha a convicção de que se ele soubesse da sua existência,a procuraria.
Por diversas vezes mandou cartas e mais cartas para a Porta da Esperança do Sílvio Santos.Nunca responderam.
Priscila começou a trabalhar em um salão no Rio como cabeleireira.A clientela era grande e o ambiente propício a fofocas,conversas,lições de vida e histórias variadas.
Uma vez, Priscila atendeu uma moça nova,de sotaque estranho e quis saber de onde ela vinha. A moça em questao era Rosa,uma gaúcha de Caxias do Sul que tinha se mudado com o marido para o Rio.Quando soube a origem da nova cliente, Priscila contou sua história e a tal moça se sensibilizou.Lembrou-se de um parente que trabalhava no TRE e tinha acesso aos títulos de eleitores de toda a cidade.A tal moça passou por cima de todos os protocolos,entrou em contato com o tal parente,em busca de notícias do pai da moça. Acharam dezessete nomes iguais na cidade de Caxias,pegaram os números de telefones e começaram a ligar.Nenhum deles pertencia a seu pai. Foi então que o tal parente da sua cliente encontrou entre os documentos,uma mudança de título para a cidade de São Paulo.A última esperança.Priscila ficou sem voz quando da outra linha um homem disse alô.Ela tinha certeza de que ele era o seu pai.Se identificou, contou que morava no Rio de Janeiro e perguntou se havia conhecido uma moça que se chamava Glória há mais de 20 anos.Assustado,mas disponível,o senhor do outro lado da linha respondeu que sim e juntos começaram a chorar. Ela disse que era sua filha e ele explicou que tentou varias vezes procurar pela tal Glória,mas a patroa disse que ela tinha sumido.Ele não havia se casado,não tinha nenhum filho e vivia sozinho em São Paulo,aposentado como bancário.
Combinaram de se encontrar lá mesmo no Rio de Janeiro.Ele pegou o endereço de onde ela morava e bateu a campainha numa tarde de janeiro.Ela estava linda e para ele, lembrava a mãe.Deu-lhe um abraço apertado,cheio de emoção e de lágrimas.Ela,sem graça, tentava resumir ao pai 22 anos em poucos momentos.Resolveram sair para lanchar.Ele via nela o sorriso,os cabelos e o jeito maroto da mãe.Ela tentava descobrir nele traços semelhantes a ela e aos milhares de rostos que durante anos imaginou pra ele.Passaram um fim de semana maravilhoso juntos.Passearam pela praia,contaram um pouco de suas vidas e ela não pensou duas vezes quando ele lhe fez a proposta: Venha morar comigo,minha filha.
Escolheram um lugar para morar perto de Barbacena,compraram um terreno na roça e ali começaram a construir uma casa.Priscila sonhava em estar com o pai até o dia em que encontrasse um bom moço pra se casar.Ela era uma menina muito simples,mas bonita,simpática e inteligente. Acho que não vai ser difícil encontrar namorado.
Gaúcho me disse que dali em diante a vida seria assim: pegar o carro e passear com Priscila pelo Brasil,assim mesmo sem destino,com um Guia 4 Rodas no porta luvas do carro. Mostrar pra filha as coisas que ela nunca pôde ver.Reinventar uma vida que não viveu,tentar aproveitar os momentos que perdeu.Quem sabe quando vierem os netos ele poderá imaginar os primeiros passos de Priscila,as primeiras palavras e os primeiros problemas.Basta que estejam vivos,felizes e saudáveis.Basta que haja amor e esperança,os mesmos incentivos que levaram Priscila a acreditar e encontrar aquele que agora enche a boca para chamar de pai.

domingo, 29 de junho de 2008

Tamara de Lempicka




Postei a foto de uma das obras de Tamara de Lempicka e resolvi falar um pouco sobre ela. A primeira vez que vi um quadro seu foi na casa do meu tio Paolo,em Roma.Como acontece sempre,toda vez que você vê uma coisa pela primeira vez,parece que logo em seguida ela aparece novamente no seu dia dia muitas outras vezes.É como se nossos olhos estivessem fechados e depois enxergam um turbilhão de imagens de um mesmo objeto.Isso é percepção.
Pois passei a ver com frequência,mais e mais obras de Tamara de Lempicka e os traços meio quadrados,meio cubistas,as bocas vermelhas das mulheres,a atmosfera de luxo e nobreza impressas em suas obras me chamaram muito a atenção.Os cachos dos cabelos das mulheres,seus chapéus,seu charme.A intensidade com que o sexo,o corpo nú de homens e mulheres aparece nas obras de Tamara impressiona para os parâmetros do tempo em que ela viveu.
Tamara nasceu Maria,na Polônia,em 1896 e era filha de um advogado importante e de uma socialite.Mas foi em Paris que ela viveu o auge da sua vida e carreira.Bonita e independente, ela era uma explosão de mulher.Freqüentava os salões de Paris e era declaradamente bissexual,escandalizando a sociedade da época e acabando com seu casamento.Tamara tornou-se uma diva. A marca de cosméticos Revlon lançou na época um batom com seu nome. Mostras,exposições e a mídia consagraram Tamara.
A artista casa-se novamente com um barão e muda-se para a California onde freqüenta o jet set hollywoodiano já em uma fase de depressão. Em 41 ela consegue tirar a filha Kizette de uma Paris ocupada por nazista e promove uma mostra em New York que foi um grande fracasso.
Tamara morreu em 1980 mas deixou uma série de obras apaixonantes,sensuais,instigantes que certamente a imortalizaram.

Amor


Que promessas somos quando nascemos?Nossa genuinidade morre a partir do momento em que a gente nasce.Do primeiro toque com a pele da mãe, a gente começa a pulsar para o mundo e a partir dali a gente não sabe de mais nada.Assimilamos através de gestos,sons,cores e formas informações desse mundo que passa a ser nosso.
A convivência,a experiência fazem parte da nossa evolução e o que nos tornamos com o tempo é aquilo que mais me preocupa.
Acho que pelo menos uma vez na vida a gente pára um dia pra pensar e se pergunta:por que o relógio está despertanto,eu vou tomar meu banho,meu café,ir pro meu trabalho, tendo tempo,uma passada no cinema e depois voltarei pra casa,onde encontrarei meus pais,meus filhos ou eu mesma deitada numa cama, esperando passar umas sete horas para que tudo aconteça novamente?
Vivemos com medo.Medo de mudar,medo de errar,medo de se sentir isolado,constrangido,não compreendido,solitário,reprimido...Medo de tomar decisões.E no espaço de tempo entre o toque do despertador e o toque que apaga a luz do nosso quarto, esses medos nos atordoam, nos fragilizam,nos enlouquecem.E o espaço de tempo entre o despertador e o apagar das luzes fica cada vez mais frenético,passa cada vez mais rapido. Adiamos pensamentos,adiamos conversas,adiamos reflexões,adiamos decisões e adiamos mudanças.Se discutimos,ficamos no bla,bla,bla e nada se concretiza..um enorme vazio surge.
Ganhei de presente uma massagem.A música,o odor do óleo,o toque macio das mãos exploraram meu corpo e de olhos fechados descobri que o que faltava na vida de muita gente era o amor.Não acho que amor tenha múltiplas interpretações e traduções.O amor é uma coisa só,que a gente deveria olhar com mais zelo,dar mais atenção.Que ele saia do bico de um pássaro,através da sua música,que ele saia através da chuva,preocupada em irrigar a vida,que ele saia da boca dos apaixonados,de forma sincera e intensa.
O amor deveria ser interpretado como o elemento de conjunção entre toda forma de vida existente na terra.Eu deveria amar essa mulher aqui debaixo que coloca a música na maior altura ou a outra vizinha que coloca o carro na vaga de garagem que bem entende. Eu deveria amar o menino que eu não conheço e que a essa hora dorme um sono sossegado numa casa aconchegante em Estocolmo...e que amanhã cedo se despertará com o relógio,pegará o metrô,irá trabalhar,levará a namorada pra tomar um drink,levará ela pra casa,farão amor,apagarão as luzes e juntos irão esperar o início de mais um dia.
Sleeping, obra de uma das minhas artistas preferidas, Tamara de Lempicka

segunda-feira, 23 de junho de 2008



O céu de Deus
As curvas de Niemeyer


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Pra minha flor do cerrado



FLOR DO CERRADO

Você me olhou eu te olhei a gente entendeu
Coisas do amor, ansiedade
Você sumiu procurei te achei numa flor
Minha ilusão, minha miragem

Vi, Não vi, achei gozado
Vim, não vim, segui meu rumo
Sei não, sei não, eu nem te conto
Vem, não vem, qualquer dias desses perco a razão

Só te esperei pra te contar um segredo
Você partiu tão cedo
Antes que o sol chegasse
Antes que eu acordasse sem teu agrado

Só te chamei, pra te dizer que te quero
E que mesmo longe te espero
Só pra te ter do lado
Só pra colher no abraço
A minha flor do cerrado
A minha flor do cerrado
A minha flor do cerrado
A minha flor do cerrado

(Jair de Oliveira)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Da janela...


Da janela do meu quarto tenho um panorama normal da minha rua.Carros subindo, lixeiros gritando de manhã, as crianças do morro fazendo bagunça depois da aula.
Hoje é dia de coleta seletiva no meu bairro, dentro do projeto BH Recicla,mas o caminhão ainda nao passou.Vez por hora, olho lá pra baixo pra conferir se o lixo ainda está no passeio.Me sinto responsável pelo lixo reciclável que vai parar na associação de catadores e ajudar aquela gente a tirar uns trocados.Quando eu descobri que existia esse programa que coleta porta a porta o lixo reciclável,achei superlegal e passei a separar tudo. Na primeira sexta-feira,assim que acordei, fui levar o saco de lixo lá pra baixo e depois de muito tempo o caminhão da prefeitura passou.
Hoje ele está demorando. Melhor ainda para a senhora com lenço na cabeça e mãos espertas e sensíveis, que flagrei revirando os sacos de lixo do meu prédio,um por um.Toda vez que eu vejo esta cena se repetindo,ou por essa gente,ou pelos mendigos do centro e da Savassi,me lembro quando estava na escola e minha irmã me contou que tinha decorado um poema."Vi ontem um bicho,na imundície do pátio...o bicho,meu Deus,não era um cão,não era um gato,não era um rato,era um homem..Acho que todo mundo conhece essa poesia do Manuel Bandeira. Toda vez eu me lembro dela.Acabei de ver essa mulher,remexendo o meu lixo e lembrei-me dela.O que mais me atormentou foi saber que Manuel Bandeira escreveu O Bicho em 1947,há 61 anos atrás...Acho que ele já previa que os bichos se multiplicariam,mas será que ele imaginava que seria esta a proporção?
Ontem trabalhei em uma festa. 500 convidados,whisky Johnnie Walker,Veuve Clicquot,vodka com energético,banda formada por músicos famosos do pop rock nacional.Orquídeas,velas,meninas de vestidos de paetês e saltos altíssimos,meninos que guiavam orgulhosos seus carros importados e senhores que desfilavam com suas respectivas. Algumas delas,ignorando o clima tropical,chegaram vestidas com casacos de pele.A mãe do aniversariente o guiava como um robô,conseguia controlar milimetricamente seu sorriso pra as fotos de família.Chegou cedo e durante a entrada triunfal,xingou os cinegrafistas:Corta,corta,pode parar,tá tudo errado!!!Tirou uma escova num sei de onde e deu o toque final nos seus lindos cabelos.Agora sim,a equipe podia filmar.Não sei o que aconteceu durante toda a noite,vim embora assim que pude,mesmo tentada a experimentar as guloseimas classe AA que as belas garotas serviam.
Hoje tem movimento na casa do vizinho da frente. Uma equipe de segurança eletrônica está instalando aquelas cercas elétricas em cima do muro e do portão.Acho que ele tem medo de algum bicho.O barulho da solda me incomoda. Menos mal que a aula acabou e os meninos do morro estão passando. Prefiro escutar o som da bagunça,das brincadeiras e o hino do Galo que eles estao cantando e esperar,do fundo do meu coração que eles não se tornem bichos.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Por um litro de leite


O lugar onde eu moro fica no meio de um morro tão alto e íngrime que as pessoas que vêm na minha casa sempre têm algum comentário a fazer. Me divirto quando chove e eu vou pra janela observar os carros que inutimente tentam subir morro acima.Os teimosos se aventuram,cantam pneu,escorregam...e eu já sei o final da história,desistem e descem,super decepcionados.
Já me diverti imensamente quando uma amiga que dormiu aqui me pediu pela manhã, um chinelo emprestado,já que de salto era impossível dar um passo sequer morro abaixo. Eu venho de Barbacena e quando eu morava lá,minha casa ficava pra baixo do conhecido morro do Correio..sem contar os inúmeros passeios pelas ladeiras de Ouro Preto,Tiradentes...as minhas pernas foram acostumadas desde pequena a esta geografia de Minas Gerais.
A uns três quarteirões morro acima da minha casa, fica uma grande favela, talvez a maior da cidade.Na rua debaixo, um supermercado,talvez o mais caro da cidade.
Por volta das 18h30,horário de pico no tal supermercado,é dificil encontrar alguém de bom humor entre os corredores estreitos e prateleiras praticamente coladas uma na outra. Hoje, por exemplo, peguei uma cestinha e a ofereci primeiro à senhora que também procurava por uma. Ela me olhou com uma cara de espanto como se gentileza fosse algo praticado além dos confins da Terra.
Pra voltar pra casa,com minhas compras devidamente comprimidas em uma única sacola de plástico, como recomendo aos embaladores, passo por um morro ainda mais forte que o da minha rua.
Todos os dias eles estão lá...Sempre num grupo de dois,três,algumas vezes quatro.A menininha, que deve ter uns sete anos é a primeira a se manifestar: Moça,me dá um real?Tinha me esquecido que isso era rotina aqui no Brasil e com o tempo, passei a não me assustar mais.Semana passada,porém, resolvi parar e conversar com estes meninos.
A pequenininha me disse que precisava comprar leite,mas só tinha dois reais.Me disse que tinha uma irmãzinha pequena que tomava muito leite e que a mãe deles os mandavam perto da porta do supermercado pra ver se conseguiam levar no fim do dia,algum leite a mais pra casa.
Eu não bebo leite.Nunca.Aquele dia me deu uma vontade infantil de beber Toddy,não sei por que me veio essa saudade besta.E eu comprei uma caixinha de leite que custou-me R$1,98. Eu disse à pequena que o dinheiro que ela tinha era suficiente para comprar o leite e logo depois,apareceu seu terceiro irmãozinho, tomando uma garrafinha de Fanta laranja. Ai,ai,ai...ô menino,e o leite da tua irmãzinha??O bebê de dois meses bebe Fanta,é?...Não,moça,eu comprei é porque é muito gostoso.Puxa,que sentimento de culpa que me deu!!!Culpar um menininho de trocar o leite da irmãzinha pelo raro momento de prazer em comer uma coisa gostosa.Lembrei agora da maçã que a minha mãe e seus irmãos comiam só quando estavam doente. Era a parte boa de ficar doente,poder comer maçã.Imagina só.
Não era muito tarde,mas já era hora de criança tá em casa,brincando com os amiguinhos, vendo TV..fazendo alguma coisa...Não na frente do supermercado pedindo dinheiro e leite para quem quer que passasse.
Ok,eu daria o leite.Ia ser até bom.Um peso a menos pra carregar morro acima.Mas vocês vao ter que ir pra casa.Isso não é hora de ficar na rua.Beleza?? Beleza!!
Tirei o leite de caixinha do saco plástico e só depois me lembrei que leite desnatado não é o mais recomendável para criança recém nascida. O irmãozinho interviu e me disse: Mas num é esse não...tem que ser o de saquinho, da Itambé!!!
O mais velho calou a boca do pequeno e disse: Não,moça,tá legal,esse aí serve também.
Quando vi,tava lá do ladinho do passeio, um saco plástico com mais umas quatro caixinhas de leite. Vem aqui:mas vocês conseguiram esse tanto de leite já??Vão pra casa,tá na hora!Eles me explicaram que ficariam um pouco mais,quebrando nosso acordo...se conseguissem mais alguma coisa, talvez não precisariam voltar no dia seguinte. Vendo aqueles três menininhos sentados na calçada,brincando e pedindo moedas, o peso do litro de leite do qual eu pensava ter me livrado,pareceu-me ter dobrado,triplicado,quadruplicado. Aí sim, o morro tornou-se ainda mais difícil de subir.

quarta-feira, 11 de junho de 2008



"As estações ferroviárias são a porta para o glorioso e o desconhecido. Através delas, mergulhamos na aventura"

E.M. Forster

Na foto, a estação de partida de muitas das minhas viagens,Santa Maria Novella

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Sonhos em pedaços de pano


Hoje passei por uma verdadeira overdose de noivas e casamentos.Às duas e meia tinha uma entrevista marcada com uma estilista de noivas. Durante a hora e meia em que fiquei aguardando que ela me atendesse,engatei uma conversa animada com a gerente da loja.Fiquei pasma em saber que as noivas que irão se casar em setembro de 2009,ou seja, daqui a um ano e três meses já telefonam para marcar hora pra ver vestido.
É que tudo tem que ser planejado,na mais perfeita ordem, já que em alguns casos,estilistas,costureiras e ajudantes precisam transformar-se em psicólogas e até cirurgiãs plásticas no caso em que a noiva, não agraciada pelas curvas, exija uma bunda postiça acoplada ao vestido.Não estou brincando,acontece.
Entre vestidos de sonhos,saias e caudas de panos que não acabam mais,escondem-se casos mal resolvidos,mulheres histéricas e traumatizadas,inseguras,dependentes e marcadas por histórias que as impulsionaram a jogar-se nos braços de alguém, em busca de um conforto que na maioria das vezes, é inatingível a não ser no íntimo delas mesmas. Não estou falando de todas as noivas,longe de mim!
Digo isso não por despeito, por descrença ou porque sou contra quem veste-se de noiva. Minha mãe casou-se de noiva,ela estava linda e é casada até hoje. Quando eu era pequena,a empregada lá de casa ia casar e eu adorava folhear as revistas de noivas dela e escolher o modelo que eu iria usar no meu casamento.Lembro que ele era marfim.
Lá pelas tantas, eu já não agüentava mais o DVD de clips e as noivas que entravam e saíam em busca de convites para um desfile que acontece semana que vem.E fiquei com um tiquinho de dó da simpática gerente que respondia incessantemente às chamadas das noivas de 2009 que queriam marcar uma hora.
Pois a moça me contou que ali acontece realmente de tudo,mas o que ela mais vê são mulheres à beira de um ataque de nervos e de uma ansiedade que não se pode medir.Muitas vezes,a cara do noivo,que certamente teve de deixar o futebol com os amigos para acompanhá-las na procura pelo traje ideal,condena:estão ali obrigados e não sentem a menor vontade de se casar.
A Maria me disse que outro dia escutou(não só ela,toda a loja) um noivo dizer: Não sei porque estamos aqui,eu nao disse que iríamos nos casar!
Ixi...a coisa é bem complexa.Por que será que o sonho de toda mulher,ou pelo menos da grande maioria,é se casar? Por que será que a gente quando é pequena brinca de casinha, faz nana com a boneca igual minha sobrinha de um ano e sete meses faz?
Acabei de chegar do cinema.Sempre fui fã de Sex&City,mas nunca me conformei que a felicidade de Carrie Bradshaw,a mulher linda e independente, estivesse sempre vinculada ao sonho do matrimônio.Todas as suas desilusões,todas suas conquistas,suas lágrimas de solidão e muitas de suas lições,compartilhei deitada no sofá ou na cama e, em alguns momentos, eu estava passando por situações muito parecidas...mas sem o ar patético que a Carrie sempre teve.
O que dizer do sonho de Carrie,vestida de Viviene Westwood,nos braços do Mr.Big,com uma cobertura em Manhattan,um closet repleto de roupas e sapatos de grife e um coração partido mais uma vez,destruindo seu bouquet de noiva e uma história que projetou para si durante toda sua vida?
O que dizer do amor, de seus rótulos, de suas fases,obrigações,cobranças e dependência quando tudo isso deveria ser revertido em felicidade e harmonia?
Deve ser difícil conviver tanto tempo com alguém, ver essa mesma pessoa todo dia quando acorda e quando vai dormir. Não seria tão difícil se não fosse uma obrigação de padrões que a gente aprende e vai alimentando,como idéias imutáveis,impostas e rígidas, a de que a tal felicidade é aquilo ali:uma casa,um marido,filhos e um trabalho.
O amor,a convivência,não devem ser como na casa da Barbie que a gente tinha quando era criança.Ken e Barbie em perfeita harmonia, na sala de jantar enquanto esperam que a barriga da Barbie se abra e dali saia uma nenénzinha.
Eu não acredito que existam fórmulas e rituais para que as coisas dêem certo.Sei que a pressão e a ansiedade são venenos para qualquer tipo de relacionamento. A simplicidade, o amor próprio e mais que tudo, o auto conhecimento devem contar mais do que qualquer coisa.
É belíssima a cena em que Carrie e Big casam-se da forma mais simples possível: vestido de um mercadinho vintage qualquer e almoço com os amigos no restaurante da esquina.Parece que todas as neuroses desaparecem naquele momento, como deveria ser em qualquer final feliz.
A realidade está muito longe da tela do cinema,mas eu desejo pra mim,pra minha irmã e pras minhas amigas que a felicidade transcenda todos os padrões e que o amor seja feito da evolução e da consciência de cada uma de nós.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

A roupa e o corpo nú


Morreu Saint Laurent.Como um dia morreremos todos nós.Pai,mãe,vizinho,amigo,filho.A repercussão da morte de uma figura pública é, porém, muito diversa. Saint Laurent era o elo de ligação entre a estética do passado e aquela do presente. Saint Laurent era um ícone,a lembrança viva de toda uma época dedicada à revolução da criatividade no modo de vestir. A referência de um período anárquico e turbulento. Em 71, foi protagonista de um delicioso escândalo quando apareceu nu em uma foto histórica que promoveu seu primeiro perfume.
Tantas foram as frases feitas,deixadas por Saint Laurent, mas a mais bonita delas, eu escutei hoje pela primeira vez: "Nada é mais belo que um corpo nu. As roupas mais belas que uma mulher pode vestir são os braços do homem que ama".
Do que serve uma roupa que me aquece,que me embeleza,que mostra quem eu sou se minha essência revela-se frágil mas intensa quando sinto que ele abraça meu corpo desprotegido... O toque sutil do cashmere,o movimento fresco do chiffon,a segurança da lycra,a transparência da seda transformam-se em sensações banais se minha nudez é coberta quando ele se aproxima. E tudo vira poesia,energia,emoção que não poderiam caber nem mesmo em um suntuoso vestido bordado com fios de ouro.
A artista de Hollywood que pisa o tapete vermelho vestida de Saint Laurent é a mesma que procura em seu íntimo,braços que possam vesti-la. A mulher que calça seus sapatos é a mesma que deseja encontrar quem possa curá-la. A jovem que passeia com a sua bolsa é a mesma que gostaria de preenchê-la de amor.
Eu guardo no meu armário vestidos invisíveis.Não quero vesti-los pois não preciso mais deles. A sensação de estar nua, desprotegida passou. As texturas e cores que me faltavam encontraram-se finalmente numa noite seca e de muito calor onde as roupas já não podiam dizer mais nada sobre mim.
...dedicado a quem me veste com as mais belas roupas

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Turismo acessível


Jennifer era uma menina louca por viagens. De Indianápolis, nos Estado Unidos, ela partiu para uma aventura gastronômica na Itália. A gastronomia era uma de suas paixões, seu sonho era ser chef de cozinha em um restaurante italiano, nos Estados Unidos.
Logo após seus cursos na Itália, Jen retornou ao seu país, onde começou a trabalhar como chef.Até o dia em que um terrível acidente de carro acabou com a sua promissora carreira, mas não com sua vontade de desbravar o mundo.
Reencontrei Jen três anos após termos nos conhecido, lá mesmo na Itália.Ela veio com uma amiga, Loredana Caminiti e marcamos um jantar no restaurante La Grotta Guelfa, no centro de Firenze.Jen me explicou que Loredana era sua sócia em um projeto pioneiro que estavam desenvolvendo, a Accessible Escapes, uma agência de viagem com passeios especiais destinados à pessoas com problemas de mobilidade.
Apaixonada pela Itália e com uma sócia calabresa, Jen planejou durante muito tempo aquela viagem. Juntas,elas rodaram a Itália de norte a sul pesquisando locais, museus, restaurantes, parques, igrejas e hotéis que pudessem oferecer a estrutura necessária para receber pessoas em condições dificultosas.
O grande problema era encontrar estruturas preparadas para este tipo de turismo. Não é à toa que a Europa é chamada de Velho Mundo. É velha sim e inclusive em infra estrutura. O próprio restaurante onde estávamos, a Grotta Guelfa era um objeto de pesquisa das minhas amigas Accessible Escapes. Demos um pulo ao banheiro,mas a escadaria do prédio secular era só o primeiro empecilho.Fiquei imaginando as limitações de uma pessoa que precisa de uma cadeira de rodas para se locomover.
Assim pensavam Jen e Lore. Era difícil sim, mas não impossível. Acima de tudo,não era justo que tanta beleza não pudesse ser alcançada por qualquer pessoa,seja ela cega,imobilizada ou um velhinho ou velhinha americanos com passos vagarosos.
Há alguns dias descobri que daquela viagem das duas nasceu mesmo a Accessible Escapes.Os cansativos dias de pesquisas, encontros com entidades e pessoas estenderam-se pela Inglaterra e depois pela Califórnia, o projeto tomou forma e hoje está apto para levar qualquer pessoa fisicamente limitada para conhecer as belezas e sentir a emoção que uma viagem pode proporcionar.
Por enquanto,os passeios estão concentrados na Itália,mas segundo Jen, a idéia é levar estas pessoas a Los Angeles,Londres, Havaí, Japão e Índia.
Minha amiga não esconde a vontade de trazê-los também ao Brasil.Eu disse a ela, que apesar de termos tantos problemas,estamos relativamente preparados para receber pessoas com dificuldade de lomocoção em nossos hotéis,restaurantes, museus, praças e locais de interesse turístico e que acima de tudo,nós conseguimos encantar com nossa simpatia acolhedora.
Para quem se interessa em conhecer o bonito trabalho da Jennifer e da Loredana com a Accessible Escapes, sugiro uma passadinha no site das meninas: www.accessibleescapes.com