terça-feira, 20 de maio de 2008

Sábado em Brasilia


Quando descobri a idade daqueles dois meninos que vagavam pelo setor Sudoeste,em Brasília,imediatamente voltei no tempo e num esforço bruto me vi aos 13 anos.A minha vida era normal como a de qualquer menina daquela idade.Escola,inglês,curso de violão e de volei,leitura obrigatória de Revista Capricho,mochila e tênis da moda.O filme passou depressa na minha cabeça,e em uma velocidade incrível,voltei para aquela cena.Em plena tarde de sábado, Fernando e Joel caminhavam sem rumo e passaram na frente do restaurante em que estavámos almoçando.Não pude acreditar quando soube que aqueles dois mulequinhos com sorriso no rosto e tanta desenvoltura pra falar são pequenos ladrõezinhos na capital federal.A menina que servia no restaurante olhou de cara feia mas eu enchi a mão de pão e entreguei pra um deles.Já passava das 3 da tarde e eu tomava uma taça de vinho que fora precedida de queijos importados,pasta italiana e carne.Os dois, tinham nas mãos o finalzinho de um pacote de biscoito Maizena que alguém deve ter dado,assim como eu quis oferecer o pão.Perguntamos se eles tinham comido, mas eles disseram que nao estavam com fome.Mais que qualquer coisa,queria saber que raios eles faziam lá,numa tarde de sábado,longe da casa da periferia,andando pra um lado e pro outro. Eu tentava advinhar quais seriam os diálogos de um dia inteiro daqueles dois no trajeto sem rumo e sem destino que eles faziam. Certamente não estariam falando da prova de matemática do dia seguinte,tampouco cheirando as canetas coloridas e colando adesivos nos cadernos como fazia eu na idade deles. O cheiro pra eles era bem outro: era cheiro de comida velha, textura mole de biscoito dormido ,fedor de lata de lixo,fumaça de carro,amarelo de dente e sujeira que não se deixa confundir com a pele da cor de jambo. Fiquei novamente indignada quando soube que eles deixam de frequentar a escola quando o governo atrasa na liberação dos passes de ônibus. Nestas ocasiões,só os alunos "ricos" que podem pagar a passagem, acabam participando das aulas.E eles ficam ali,vagando pelas zonas comerciais frequentadas por famílias,jovens ou casais de namorados que decidem se presentear com lazer, bem estar e convívio social.A maioria deles fecha os olhos quando Joel e Fernando passam, sem saber que estão fechando os olhos nao só pros dois, mas para uma infinidade de meninos e meninas que se encontram na mesma situação.
Pergunto-me ainda, incrédula de tudo aquilo, se as mães destes meninos sabem onde eles estão. Me lembro da minha mãe que até poucos anos atrás, não dormia enquanto eu não chegasse em casa.Penso na filha da minha irmã e penso ainda nos filhos que um dia eu vou ter. E penso em quantos outros filhos essas mulheres ainda têm e vou mais além, imaginando como elas eram quando tinham seus 13 anos.Talvez já guardavam nas suas barrigas o Fernando e o Joel.
Nas viagens dos meus pensamentos tento encontrar explicação pra uma coisa óbvia que está bem na frente dos meus olhos, a realidade.Não encontrando respostas, busco consolo em uma coisa que me trazia alegria aos meus 13 anos e que também traria a mesma alegria a Joel e Fernando.Procuramos a sorveteria mais próxima,levamos os dois e cada um escolhe seu sabor. O gosto amargo da situação não impede que celebremos a tarde de sábado.

Um comentário:

Beto disse...

Isazinha...
adorei o blog-denuncia!!:)
Vou aproveitar esse espaço do comentário pra reafirmar a grande irresponsabilidade que achei desse caso...
o mais ridículo foi esses meninos estarem matriculados numa escola pública e não poderem estudar por causa do descaso dos governantes, que não liberaram o dinheiro pro passe-escolar dos alunos!
Fala serio!!
O pior é a justificativa deles alegando que não têm verba pra repassar pras escolas!!hahahaha..chorei....
Uma coisa é a falta de condições financeiras das famílias que , muitas vezes, incentivam seus filhos a irem pra rua pra ganhar um trocado e ajudar nas despesas, outra coisa são os nossos políticos alegarem falta de condições financeiras pra fazer com que nossas crianças saiam das ruas e vão estudar!