terça-feira, 3 de março de 2009

Presente do céu

Foto Google

Quando o outono deixa cair suas últimas folhas e o inverno tira do armário os primeiras casacos, as tardes romanas ficam ainda mais interessantes. Em uma destas tardes, depois de caminhar um dia inteiro até chegar ao Circo Massimo, resolvemos dar uma esticada para ver a Isola Tiberina. Dos milhares de turistas que atravessam as ruas de Roma, eram poucos a desbravar a ilha. Alguns garotos tocavam violão e conversavam coisas que não podíamos ouvir. O rio Tevere seguia seu rumo, com uma platéia imóvel de deuses e heróis de pedra. O vento que soprava me fez prender os cabelos, enquanto uma criancinha nórdica de olhos bem azuis e cabelos vermelhos corria atrás do pai. Atravessamos a ponte e eu estiquei meus braços no parapeito pra ver o rio e me lembrar da primeira vez que vi Roma, no 1° de maio de um ano qualquer. Havia feito a mesma coisa diversas vezes e cada uma delas, me revelava uma surpresa, de acordo com as minhas descobertas pessoais ao longo dos anos.
Desta vez, resolvemos descer e ficar pertinho do Tevere, escutando o barulho da água e dos pássaros em meio de um caos urbano de buzinas e vozes.
Sentamos bem debaixo da ponte, onde mendigos passeiam, sujeitos mau encarados largam suas garrafas de bebidas e jovens fumam seus cigarros. Éramos só nós dois.
O silêncio entre nós já durava cerca de vinte minutos quando um bando de andorinhas rasgou o céu, em uma manobra de impressionante precisão. De um momento ao outro mais um grupo chegou, deslizando no céu, e outro, e mais um, e ainda mais um outro. De repente as andorinhas viraram baleias, estrelas, corações, meu braço estava cansado de apontar e minha mente extasiada na emoção de descobrir novas formas no balé das andorinhas. Parecia que o céu ia explodir num show pirotécnico em preto e branco, como num quadro que retrata a Roma no inverno. Minha blusa que era branca, virou alvo de tiros marrons e cinzas e eu me escondi debaixo da ponte.
A moça ruiva e elegante que passava lá em cima de salto alto e echarpe creme, tampava os cabelos e se apoiava no namorado atrapalhado que tentava se esconder debaixo de uma árvore.
Olhei pro lado e já não estávamos mais sozinhos. Um senhor de olhos puxados e amendoados, que do aspecto me pareceu filipino, conduzia calmamente uma cadeira de rodas. Nela, uma mulher muito magra, de corpinho frágil e cabelos esbranquiçados perdia seu olhar no espetáculo dos pássaros. A juventude ela havia perdido com a doença, mas a capacidade de se emocionar, essa sim tinha se fortalecido.
Meu coração ficou apertado com a sensação de estar vivendo um daqueles momentos da vida que a gente nao esquece jamais. Os olhos dela me diziam: corre, pula, respira, voa com as andorinhas que esse mundo é todo seu. Vai ver a Isola Tiberina de cima de uma nuvem, mas volta pra me contar como foi.
Antes de ir embora, passei por ela e sorri. Um aparelho estranho levava um cano perto da sua boca e, inesperadamente, ela me olhou e retribuiu lindamente aquele sorriso. E Roma me mostrou mais uma surpresa, talvez a mais significativa de todas elas.

3 comentários:

Renata Carvalho Rocha Gómez disse...

Sinto sua falta...... e sabe o que é mais estranho? Vc me leva a sentir falta de lugares que nao conheco.
Estranho rs...

Beto disse...

Achamos que nao existem seres mais evoluido do que a gente... que estamos no topo da piramide e somos privilegiados... ou que so nós podemos admirar um por do sol, rir, namorar, se apaixonar, amar... mas eu acredito que tem muita andorinha voando por ai, curtindo muito mais a vida do que muitos humanos potencialmente racionais.

Anônimo disse...

São esses tipos de vivências que marcam significativamente e positivamente nossas vidas. Bjus.

http://so-pensando.blogspot.com