terça-feira, 31 de março de 2009

Encarando os fantasmas

Imagem Google

Acho que tenho medo de ficar sozinha.De algumas semanas pra cá,tenho encontros noturnos com um fantasma, que por volta da meia noite e meia coloca a chave no buraquinho da fechadura e faz que vai entrar no meu apartamento. Dou um salto da cama, abro a porta do quarto, acendo a luz. Rodo a tetra chave mais uma vez e confiro por debaixo da porta, se a luz do corredor do prédio está acesa. Nada! Ninguém rondando.
Semana passada acordei no meio da noite com um desses barulhos. Desta vez, vinha da rua e eu achei que pudesse ser algum bandido entrando na garagem. Corri pra janela,mas vi dois homens na esquina, do lado da guarita do homem que sempre dorme. Enquanto um segurava a escada, o outro se pendurava perto do poste .Aquela hora...Era um gato? A instalação de um grampo telefônico?Ou era uma miragem? Não sei.
Quando essas coisas acontecem, a primeira coisa que me lembro é de que estou sozinha e que se o bandido existe ou o fantasma me assombra, sou eu é que tenho que enfrentar, sem chamar por ninguém.
Era mais fácil quando o cachorro latia e o meu pai abria a janela pra conferir o que estava acontecendo. Eu me encolhia debaixo do cobertor, mas sabia que estava protegida.
Quando a gente cresce, os barulhos assombram a alma, as dúvidas transitam sem parar na cabeça e o frio vira calor e se dissolve em angústia, no maior processo de materialização da ansiedade. E haja ansiolítico, terapia, floral, ombro de amigo, irmão, mãe. Haja assunto pra resolver, trauma pra curar e contas pra pagar.
Em tempo de mudança parece que os fantasmas estão por todas as partes. De repente, você está lendo um livro, uma revista e BUM!Tá ele lá na sua frente pra te tirar a concentração. Se você assiste a um filme, a cabeça te leva pra algum lugar do passado e você se vê grudado às lembranças, no maior esforço pra não escorregar do pau de sebo.
Sei que os fantasmas que nos assombram é a gente mesmo que chama. Até o momento em que não causam sofrimento, podem até ser divertidos e camaradas, mas quando te acordam no meio da noite pra te atormentar, pode saber, é hora de pular da cama, encarar o bicho e mandar ele sumir. Amigo, essa casa aqui é minha!

sexta-feira, 27 de março de 2009

Pinóquio gigante vira símbolo da educação das crianças

Imagens Google

O boneco de madeira mais famoso do mundo ganhou uma reprodução mega, na Itália. A nova estátua de Pinóquio mede 16 metros e será inaugurada neste sábado, 28, no Parque de Pinóquio, em Collodi, cidade de seu criador, Carlo Lorenzini.
Encomendado pela Fundação Nacional Collodi,o Pinóquio gigante foi feito por uma carpinteria especializada, na Suíça. Foram necessárias 800 horas de trabalho para "dar vida" ao boneco. Para chegar até seu destino, ele fez uma longa viagem em um comboio.

A Fundação Nacional Collodi defende a instrução das crianças de todo mundo e o direito à educação e cultura. Até sábado, a Fundação irá coletar assinaturas a favor do inserimento dos princípios da convenção da ONU sobre os direitos das crianças, na Constituição Europeia. A carta com as assinaturas será colocada debaixo do chapéu do Pinóquio gigante, como símbolo para recordar a importância da cultura e da educação na formação das crianças. Você também pode participar,contribuindo com sua assinatura no site www.pinocchio.it

quinta-feira, 26 de março de 2009

Radiology Art

Imagens radiologyart.com

A boneca de porcelana

Radiology Art é um projeto realizado pelo artista novaiorquino Satre Stuelke, que também é estudante de medicina. A proposta é mostrar quanto a criatividade está presente também na ciência, através de verdadeiras radiografias dos objetos.
As imagens são captadas por um scanner especial e tratadas em seguida para dar a cor com base na densidade dos materiais. O projeto incentiva também a participação de quem quiser entrar na onda. No site RadiologyArt você pode enviar uma imagem ou até mesmo um objeto para ser "arteradiografado".

Esta é a radiografia de um cachorrinho de controle remoto

Olha o rango:frango, milho,batata e brownie de sobremesa

Girafinha de banheira de bebê

terça-feira, 24 de março de 2009

De Maiakóvski

Imagem Google

"Sei o pulso das palavras, a sirene das palavras. Não as que se aplaudem do alto dos teatros, mas as que arrancam os caixões das trevas e poem os poemas a caminhar, quadrúpedes de cedro. Às vezes, as relegam inauditas, inéditas, mas as palavras galopam com a cilha tensa. Ressoam os séculos e os trens rastejam para lamber as mãos calosas da poesia.
Sei o pulso das palavras. Parecem fumaça, pétalas caídas sobre o calcanhar da dança. Mas o homem, com os lábios da alma, é apenas carcaça"

sábado, 21 de março de 2009

De volta aos refis

Fotos de detersivifusi.it e Google


Ainda hoje me lembrei dos tempos em que a gente colocava as garrafas de coca,fanta e guaraná no engradado e subia rumo à padaria ou ao bar pra voltar para casa com refrigerante geladinho na mão. Era aquele troca troca de garrafas que a gente nunca mais viu. Saudades daquela época.
Hoje, não tem mais troca, nem contato com o cara que ficava atrás do balcão. Pegamos a embalagem de plástico na prateleira, colocamos na sacola de compras (de plástico) e vamos pra casa sem nem saber a grande bobagem que estamos fazendo.
Banir as embalagens representaria uma economia de 20 a 70% pro nosso bolso e uma considerável redução no custo no tratamento do lixo.
Se a gente pára pra pensar, é realmente possível diminuir o impacto ambiental das embalagens. Na Itália, e certamente em tantos outros países da Europa, já existe nos supermercados, uma espécie de central de abastecimento para produtos de embalagem reaproveitável. No caso dos produtos de limpeza, a gente compra a embalagem e quando o produto acaba, enche de novo nessa máquina, como um refil. E isso acontece também com o leite, café, arroz, legumes, fruta seca, vinho e até óleo de oliva. Outra vantagem, é que a gente pode comprar somente a quantidade necessária, sem desperdício.
Dizer não à embalagem torna-se uma atitude ainda mais ecológica quando a gente compreende o desdobramento desta simples mudança de hábito.
A produção de uma embalagem de plástico de um litro necessita de uma energia correspondente à 25 lâmpadas incandescentes de 100W acesas por uma hora, 2 banheiras de água cheias e emissão de CO2 igual à de um carro por 1km de percurso na cidade, sem trânsito. Imagina o benefício pro mundo se conseguirmos diminuir o consumo destas embalagens.

Essa é a máquina do leite


O self service de produtos de limpeza num supermercado italiano

quarta-feira, 18 de março de 2009

A Brasília indiana

Fotos Google
Le Corbusier e o projeto de Chandigarh

Quem vê o caos que reina na Índia, com carros, motos (às vezes montadas por até 5 pessoas), riquixás, vacas, camelos, elefantes e bilhões de pessoas transitando, não pode imaginar que no norte do país, existe uma cidade projetada por ninguém menos que Le Corbusier.
Chandigarh fica no estado do Punjab e foi a primeira cidade planejada dos anos 50.Nasceu depois que o território indiano foi dividido com o Paquistão e o Punjab perdeu sua capital. Seu nome foi uma homenagem à deusa "Chandi", cujo templo estava localizado nas proximidades.
O projeto foi encomendado a Le Corbusier pelo primeiro ministro Nehru, que queria criar um modelo de desenvolvimento da Índia moderna.
O arquiteto concebeu a cidade como o desenho de um homem modular. Na cabeça, fica o Capitólio, onde foram planejados prédios para a sede do governo, parlamento e corte de justiça. No coração, está uma praça central e a principal área de compras. O pulmão abriga jardins com rosas coloridas e gramados bem tratados e o corpo se desenvolve com os amplos setores resdenciais.
Os bairros foram desenhados de modo que pudessem ser autônomos, com lojas, escolas e templos próprios.Ao contrário do que se vê nas outras grandes cidades indianas, Chandigarh é cheia de canteiros com árvores, praças e jardins. A cidade se destaca por índices positivos de desenvolvimento comparados ao resto da Índia. A maior taxa de alfabetização e de renda per capita vêm de lá.
Apesar da boa intenção de Nehru e do esplêndido exemplo de arquitetura de Le Corbusier(que muito inspirou na construção de Brasília, logo em seguida)Chandigarh também enfrenta os problemas das metrópoles urbanas. Com uma população de 1,5 milhões de habitantes, a cidade sofre com problemas de engarrafamento e a expansão das favelas.
O grande desafio agora, é aliar o crescimento econômico e demográfico à herança arquitetônica deixada por Le Corbusier. Chandigarh mostra que o espírito inovador de seu construtor sobrevive ao tempo, ganhando forma na tecnologia. Até 2012, a cidade quer se tornar a primeira na Índia a ser suprida inteiramente por energia solar.

Em minha viagem à Índia, não pude visitar Chandigarh. Mais um motivo para voltar.
O Palácio da Assembleia

A mão aberta, símbolo da cidade

terça-feira, 17 de março de 2009

Casa do futuro

Imagens Corriere

Muito se fala nas casas do futuro com estruturas eco sustentáveis, design moderno e com o mínimo possivel de impacto ambiental.
A exótica Kuala Lumpur, na Malasia, ganhará em 2010 a Bird Island, um complexo de 6 biocasas projetado pelo estúdio Graft de arquitetura. A ideia surge da beleza de aproveitar o ambiente externo, com a flora maravilhosa em uma zona de conforto e contato máximo com a natureza. Para que paredes tradicionais quando se está no meio de uma ilha em plena Malasia?
Estender a vida quotidiana para o lado externo da nossa casa quer dizer entrar em choque com barulho, poluição e trânsito. No caso da Bird Island é aproximar-se de um terreno fértil à criatividade, imaginação e bem estar.
No lugar das paredes tradicionais, estruturas em vidro criam o limite entre área interna e externa. Dentro da casa, as paredes serão feitas de um tecido de silicone, material altamente resistente às taxas de umidade e raios UV do território sul asiático. O silicone é capaz de recolher água da chuva e controla a temperatura e a ventilação nas áreas internas da casa.
Por estas preocupações e estratégias de economia de energia, o projeto ganhou nota máxima e a pré classificação Platinum pelo LEED, o sistema de standard de design ambiental.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Alegria,alegria

Imagens Reuters e Afp

Quando a primavera chega na Índia, é hora de pintar um verdadeiro arco íris nas cidades. A pele escura dos indianos ganha contornos e rabiscos multicoloridos.
O Holi Festival, como é chamada esta celebração da primavera, é só mais um dos milhares de rituais curiosos dos indianos. É um dia em que eles pintam uns aos outros, jogam pó colorido pelas ruas, se abraçam e desejam um Happy Holi. Estas são as imagens da Índia hoje, dia do Holi Festival.



terça-feira, 10 de março de 2009

Pensamento do dia

Imagem Google

"Não existe uma noite que eu não coloque minha cabeça no travesseiro e não pense neles"... Me disse um jovem tibetano que conheci em Dharamsala, na Índia, cidade sede do governo tibetano no exílio.
Na parede de sua casa, bandeirinhas de orações, estandartes com mensagens de paz e um poster com a foto de Lhasa, sua terra onde ele jamais voltou, depois de caminhar dias escondidos pelas montanhas do Himalaia, até chegar na Índia.
Os momentos que passei com o povo tibetano foram sem dúvida, os mais marcantes de toda a minha viagem pela Índia. Ali, naquela cidadezinha, entendi muito sobre mim, sobre o mundo e senti uma energia avassaladora de paz e esperança, caminhando com os peregrinos, mentalizando um mundo mais justo.
Hoje, eu gostaria que as notícias fossem melhores para o jovem tibetano que sente tanta falta da sua casa, da sua gente. Hoje, eu gostaria que tudo fosse diferente, que o telefone pudesse tocar em Dharamsala, assim como em Lhasa e que as barreiras que fecham o Tibet não passassem de muralhas geladas e imponentes da paisagem do Himalaia.

domingo, 8 de março de 2009

Uma mulher especial

Imagem Google

Alessandro, um dos homens mais mulher que eu conhecia, me deu um ramo de mimosa. Coloquei a florzinha num copo com água para que ela passasse bem o dia, até que eu pudesse levá-la pra casa. Fazia muito frio naquele 8 de março de 2007.
Neste mesmo dia, chegou Alessandra, radiante com seu batom vermelho exagerado, as bochechas de blush e a face inteiramente coberta por um pó que tentava esconder os pequenos fios de barba que nasciam.
Ela não tinha muito dinheiro e se vestia de forma exagerada, com botas de salto alto, óculos escuros enormes e camisetas coladas que denunciavam a tentativa frustrada de parecer peituda.
Alessandra pediu a Francesca para ver um bracelete de couro laminado dourado que estava na vitrine, enquanto Alessandro observava horrorizado aquele ser bizarro. O bracelete quase não entrava no pulso da Alessandra, que fazia um esforço descomunal para não passar o constrangimento de não possuir os braços delicados que sonhava.
Finalmente, conseguiu enfiar o bracelete dourado e, como não sabia se conseguiria retirá-lo, disse que ficaria com ele, sem nem mesmo perguntar o preço. Era uma pseudo mulher orgulhosa, que não queria demonstrar suas fraquezas.
Não era uma cliente assídua. No inverno, passava de casaco de pele velho, cheirando a mofo e naftalina. Quando não lembrávamos mais dela, lá estava a figura, dando tchauzinho do outro lado da rua.
Jamais conseguimos descobrir seu nome verdadeiro, porque ela nunca pagou com cartão de crédito. Aparecia sempre com um maço de dinheiro suspeito que a gente jurava ser da noite anterior.
No nosso imaginário, Alessandra tinha um escritório na avenida principal do parque, que dividia com inúmeras colegas da mesma classe. Por não ser muito bonita, ela tinha que batalhar muito pra garantir um troco pra três, quatro vezes ao ano, vir nos visitar.
Enquanto ela se dirigia ao caixa para pagar o bracelete que obrigatoriamente comprara, eu desci correndo as escadas. Peguei a mimosa que Alessandro tinha me dado pela manhã e sacudi para que o cabinho secasse. Quando cheguei, Alessandra estava de saída. "Ale, feliz dia das mulheres", eu disse, entregando o raminho de mimosa.
Ela sorriu surpresa, me abraçou e disse: Obrigada,tesouro. Até a próxima!

sábado, 7 de março de 2009

Lar doce lar

Imagem Google

Quando me ligaram esta semana para dizer que o proprietário tinha pedido o apartamento onde eu moro, fiz as contas de quantas casas eu tive nos últimos 9 anos. Me surpreendi com o número:7. De 2000 pra cá, eu morei em 7 casas diferentes, com cozinhas diferentes, banheiros diferentes, camas diferentes, presenças diferentes. Sem contar todas as mudanças que tive de administrar, na maioria das vezes, sozinha.
A primeira casa foi um apartamento no bairro Ipiranga, aqui em BH, quando aos 18 anos, eu percebi naquele momento que dali em diante, era eu a tomar conta de mim mesma. Tinha um vizinho nojento que fumava e, certa vez, tomei um baita susto quando vi uma fumacinha de leve vindo do meu sofá. Ele tinha errado a mira e jogado a guimba bem dentro da minha sala. Depois, fui morar em um apartamento bem melhor no mesmo bairro, em uma avenida movimentada onde me lembro de ouvir um barulho estrondoso e ver um motoqueiro desfalecido no asfalto, com a vida interrompida de um segundo ao outro.
Na casa da tia Michela, em Pisa, na Itália, eu tinha um quarto só pra mim, com uma imagem do anjo da guarda na cabeceira e uma arara onde colocar meus casacos de frio.
O prédio antigo ficava em frente a estação de trem e era gostoso dormir com o barulho da ferrovia e com todos aqueles apitos. Ficava imaginando pra onde os trens estavam indo.
A casa na região sul de Florença era perfeita, com um terraço fantástico que a gente decorava no verão com tendas, sofás, almofadas e luzes pra curtir a estação mais feliz do ano. Foi ali que, uma noite, abri a janela e vi cair flocos de neve espessos, como jamais havia visto. A espreguiçadeira de pegar sol no terraço ficou branquinha, os carros totalmente cobertos e eu, totalmente banhada de brincar de guerrinha de neve.
O sótão da Via dei Bardi era minha casinha de bonecas, a residência da Branca de Neve e seus Sete Anões. Já falei dela por aqui e do inverno gelado que passei por lá.
O apartamento de Borgo San Frediano me fez deixar pra trás um colchão de casal maravilhoso que eu tinha comprado, mas não tinha ninguém que me ajudasse a carregá-lo. Os 8 meses que passei ali foram os últimos em terra estrangeira.
De volta a BH, o morro da Santo Antônio do Monte, que agora terei de deixar, me tira o fôlego todo santo dia.
Meu coração cigano anda meio cansado. Talvez tenha que passar por mais uma casa antes de habitar a definitiva.(Definitiva até quando?) As lembranças e objetos que eu carrego de mala em mala, de mudança em mudança são já suficientes para encher um grande pedaço de história.
Logo eu começo outro, mas dessa vez não estou sozinha. Vou ter, finalmente, uma casa pra chamar de minha, ou melhor, pra chamar de nossa. Um lugar onde não vou precisar me preocupar mais em fazer e desfazer malas.

terça-feira, 3 de março de 2009

Presente do céu

Foto Google

Quando o outono deixa cair suas últimas folhas e o inverno tira do armário os primeiras casacos, as tardes romanas ficam ainda mais interessantes. Em uma destas tardes, depois de caminhar um dia inteiro até chegar ao Circo Massimo, resolvemos dar uma esticada para ver a Isola Tiberina. Dos milhares de turistas que atravessam as ruas de Roma, eram poucos a desbravar a ilha. Alguns garotos tocavam violão e conversavam coisas que não podíamos ouvir. O rio Tevere seguia seu rumo, com uma platéia imóvel de deuses e heróis de pedra. O vento que soprava me fez prender os cabelos, enquanto uma criancinha nórdica de olhos bem azuis e cabelos vermelhos corria atrás do pai. Atravessamos a ponte e eu estiquei meus braços no parapeito pra ver o rio e me lembrar da primeira vez que vi Roma, no 1° de maio de um ano qualquer. Havia feito a mesma coisa diversas vezes e cada uma delas, me revelava uma surpresa, de acordo com as minhas descobertas pessoais ao longo dos anos.
Desta vez, resolvemos descer e ficar pertinho do Tevere, escutando o barulho da água e dos pássaros em meio de um caos urbano de buzinas e vozes.
Sentamos bem debaixo da ponte, onde mendigos passeiam, sujeitos mau encarados largam suas garrafas de bebidas e jovens fumam seus cigarros. Éramos só nós dois.
O silêncio entre nós já durava cerca de vinte minutos quando um bando de andorinhas rasgou o céu, em uma manobra de impressionante precisão. De um momento ao outro mais um grupo chegou, deslizando no céu, e outro, e mais um, e ainda mais um outro. De repente as andorinhas viraram baleias, estrelas, corações, meu braço estava cansado de apontar e minha mente extasiada na emoção de descobrir novas formas no balé das andorinhas. Parecia que o céu ia explodir num show pirotécnico em preto e branco, como num quadro que retrata a Roma no inverno. Minha blusa que era branca, virou alvo de tiros marrons e cinzas e eu me escondi debaixo da ponte.
A moça ruiva e elegante que passava lá em cima de salto alto e echarpe creme, tampava os cabelos e se apoiava no namorado atrapalhado que tentava se esconder debaixo de uma árvore.
Olhei pro lado e já não estávamos mais sozinhos. Um senhor de olhos puxados e amendoados, que do aspecto me pareceu filipino, conduzia calmamente uma cadeira de rodas. Nela, uma mulher muito magra, de corpinho frágil e cabelos esbranquiçados perdia seu olhar no espetáculo dos pássaros. A juventude ela havia perdido com a doença, mas a capacidade de se emocionar, essa sim tinha se fortalecido.
Meu coração ficou apertado com a sensação de estar vivendo um daqueles momentos da vida que a gente nao esquece jamais. Os olhos dela me diziam: corre, pula, respira, voa com as andorinhas que esse mundo é todo seu. Vai ver a Isola Tiberina de cima de uma nuvem, mas volta pra me contar como foi.
Antes de ir embora, passei por ela e sorri. Um aparelho estranho levava um cano perto da sua boca e, inesperadamente, ela me olhou e retribuiu lindamente aquele sorriso. E Roma me mostrou mais uma surpresa, talvez a mais significativa de todas elas.