sábado, 26 de julho de 2008

Ironias da História

Foto fornecida pela Tia Lígia


Os Discacciati,vovô e seus filhos

Falo muito da Itália e dos italianos por aqui.Entre elogios,críticas e declarações de amor,acho que nunca falei de preconceito. Dias atrás, recebi um texto da minha amiga Renata, assinado por Contardo Calligaris,psicanalista italiano radicado no Brasil, que escreve para a Folha de São Paulo.
Neste artigo,Calligaris fala sobre o censo da população cigana que o governo italiano decidiu realizar e o compara ao início da exterminação de judeus, durante o nazismo e o fascismo.
Certamente nada foi fácil para o meu bisavô quando ele chegou aqui no Brasil, no começo do século passado.Sei de poucas histórias que alguns tentam reunir e me contam. Entre elas, a traumática separação entre os irmãos, já que um deles se perdeu na chegada em Santos e nunca mais tiveram notícias, não existem registros, nem nada.
Muitos anos depois, eu fiz o caminho inverso e fui parar em uma Itália repleta de imigrantes.Muitos deles (ou de nós) prestam serviços que os italianos geralmente rejeitariam como limpeza,trabalhos duros em fábricas ou cuidando de idosos e pessoas muito doentes. Ainda assim, a imigração é sempre motivo para chamar a atenção do país sobre a questão do estrangeiro, da instabilidade econômica e da taxa de desemprego na Itália.
Como diz o próprio Calligaris em seu artigo,é possivel entender a desconfiança e o medo gerado por um grupo étnico que realmente encabeça as estatísticas de violência no país,mas isso não justifica o comportamento de grande parte da população e dos políticos com o estrangeiro, muito menos um censo como este.
Sou cidadã brasileira e sou cidadã italiana.Mesmo com boa aparência,documentação perfeita,italiano fluente e correto, por várias vezes, fui alvo de preconceito.Dentro do trabalho,em meio a chefias e colegas e, principalmente, quando me colocava na pele de muitos outros que não contavam com a minha regalia de ter um passaporte da Comunidade Européia.
Incontáveis as vezes em que vi marroquinos,romenos(os ciganos),albaneses sendo mal olhados e temidos.
Uma vez, em um bar, vi um sujeito a noite inteira sozinho.Não estava mal vestido,nem parecia que não tinha dinheiro para estar ali.Não parecia tímido e não parecia que esperava ninguém. Puxei assunto e o convidei para sentar na mesa em que dividia com amigos brasileiros.Ele era romeno,estudante de arquitetura e certamente, em seu país, tinha boas condições financeiras.O fato de ser romeno(uma das raças mais desprezadas e odiadas pelos italianos)o condenava a estar sozinho na mesa de um bar,onde tantas pessoas juntas se divertiam,conversavam e bebiam.
Muitas vezes, vi romenos e albaneses roubarem nas ruas,praças,nos ônibus,no metrô.Muitas vezes, escutei histórias,li em jornais e vi em TV's que marroquinos estupravam e violentavam mulheres. Inúmeras vezes, vi crianças ciganas pedindo esmolas nas ruas e lavando os vidros dos carros nos sinais. Me sentia em casa,que grande ironia.
A política separatista de grande parte da Itália representa acima do medo e da necessidade de defesa, uma grande ironia.
Os tempos eram outros,não existe dúvida, mas meu bisavô,ao sair da Itália,assim como aqueles que saem da África e do Leste Europeu,tinha a mesmíssima coisa em mente, a esperança.
Eu acredito na bondade do homem e me lembro com afeto e ternura de tantos ucranianos,russos,albaneses,romenos,chineses,africanos,filipinos,marroquinos com quem convivi e descobri incríveis histórias de vida.
Minha admiração será infinita pelas pessoas que lutam e se superam para garantir para a família e pra si mesma,um pouco de dignidade que infelizmente não puderam encontrar em seu país de origem. Minha admiração pelo meu bisavô,bisavó,seus irmãos,primos,tios,parentes,que aqui vieram com esperança de construir a vida, será sempre em forma de gratidão,pois essa força,essa coragem e determinação poucos conhecem e muito menos dão valor.E eu faço parte dela.

Um comentário:

Renata Carvalho Rocha Gómez disse...

Ontem estava comentando com uma conhecida que a filha dela conseguiu cidadania italiana, ela contando que a filha agora tem livre acesso a europa, que nos aeroportos tem portas abertas enquantos os "humildes" que nao tem o tao sonhado passaporte europeu se amontoa nas filas...
Brinquei com ela que sou entao a mais fudida de todos e jamais serei cidada do mundo !
Sou descendente de judeus, um povo praticamente odiado por todo o mundo, alvo de atentados terroristas, que foi reconhecida sua naçao a somente 60 anos atras ! Meu bisavo morreu no holocausto, minha bisavo conseguiu migrar para o brasil com 4 filhos... nessa bagunça surgiu minha familia que teve o sobrenome "trocado" por Rocha para facilitar a imigraçao para o brasil e tentar "despistar" os nazistas. Minha bisavo no Brasil tentou manter as tradiçoes, tentou ajuntar-se com os iguais, preservar a cultura, religiao...
Enfim, minha familia é judia, muitos nao celebram natal e demais festividades cristas, meu pai era carioca e minha mae baiana, sou brasiliera e seja lá o que isso signifique nao gostaria de ser cidadã de lugar nenhum, esse mundo esta caotico demais para o meu gosto e da vergonha dizer que se pertence a lugares que infringem seus valores e vontades...
Afe... mas um passaporte europeu cairia bem sim rs...